Vais contra o vento, numa velocidade aceitável, mas com uma concentração de quem tem uma meta a alcançar.
Focas o ponto do horizonte e pedalas como se a tua vida dependesse disso, como se não houvesse amanhã. Concentras-te no destino que queres alcançar, remas contra a corrente, corres em contra relógio, com os cabelos a esvoaçarem e deixarem para trás um rápido rasto teu.
Para quem te conhece, não é só o vislumbre do teu cabelo que se atrasa em relação a ti, mas o teu perfume que te lembra a quem pensa que te esqueceu, o aroma que deixas no ar como prova da tua passagem por qualquer ponto de partida, por qualquer pedaço de vida.
É um cheiro infalível, mesmo para a mais fraca memória olfativa - inevitavelmente, fará qualquer pessoa lembrar-se de ti... ou nunca ousar, sequer, esquecer-te!
Ouvir-te será um bónus e só os mais espertos terão coragem de te escutar. Mas se te ouvirem, recordações serão para sempre amaldiçoadas (ou abençoadas) com o tom que te persegue, a ti que poucos percebem, a ti que poucos têm a audácia de conhecer.
E sobre duas rodas, vives essa vida que é tão tua, saboreias o vento, alcanças o horizonte e sentes, contra ti e a teu favor, a fricção da velocidade do ar, a sinergia de um respirar, a rotina de um mundo a girar.
Nem tu sabes o destino que tanto pedalas para tocar, mas quem te conhece cumprimenta a tua vontade e energia quando passas. Não é sorte ou azar brindares portas, portões e lugares com a tua passagem - mas não duvides do quanto isso vai influenciar a vida de quem cruza a tua rota tão decidida, a tua rota tão incerta, tão espontânea e discreta, essa rota tão tua.
Da garupa da tua bicicleta, galopas o mundo, cada canto que tu queiras e que alcanças daí, em todo o seu explendor, em 360º, sem ângulos mortos! Acenas a quem te ilumina o caminho (que que às vezes fica mais escuro, que às vezes perde a cor) e, sem que às vezes saibam, guardas isso com carinho. Tu tens sonhos que levas contigo - às vezes no cestinho, às vezes na mochila, às vezes no coração, mas leva-los sempre, como quem não tem medo de sonhar, medo de mostrar que sonha, medo de mostrar que o sonho comanda o teu pedalar.
Tu pedalas sem destino, com sonho e com esperança, sem saber o que vais encontrar, sem rota ou hora marcada. Mas tu sabes bem onde queres chegar... não sabes?
Sim, contigo: vejo-te nas nuvens, vejo-te nos vidros das casas , vejo-te entre folhas de árvores , em grafittis e desenhos . Vejo-te em reflexos , em sombras, em becos, até dentro de carros .
Sinto o teu cheiro a cada instante, ouço-te com o vento e entre notas musicais. Às vezes os teus braços estão à minha volta , às vezes a tua respiração está no meu pescoço , às vezes o teu dedo passa pelo meu braço , às vezes fecho os olhos e tu estás aqui, bem perto de mim. E estarias, se o mundo fosse perfeito , ou se o mundo fosse do meu jeito , pudesse eu ter-te presente como te tenho no meu peito.
Fui com a mesma energia com que tinha feito todo o percurso até ali: curiosidade e liberdade; sem espaço para surpresas, mas cheia de vontade de ser surpreendida. E, de repente, ficou um escuro diferente e ficámos em silêncio.
Um silêncio entre nós, mas não entre as nossas mãos. Um silêncio diferente e um frente a frente. Um silêncio de quem sabe o que vai acontecer, e quer fazer acontecer. Um silêncio de quem sabe que é tarde de mais para que não aconteça, mas que não vai haver tempo para o viver devidamente. Um silêncio de quem sabe que o que quer que aconteça, irá, provavelmente, morrer ali.
Eram muitas cores em nós… muitas cores em mim a olhar para ti, e a música tocava mas mais parecia um eco longínquo. Estava apenas a luz suficiente para ver os teus contornos e perceber que me observavas e eu? Eu não sabia mais para onde desviar o olhar. Eu queria ver-te, mas não queria olhar-te.
Aliás, eu até queria… queria muito conseguir olhar-te, mas sabia onde é que isso nos levaria e era mais fácil deixar as coisas correrem sem a pressa que tínhamos de ter, mas que eu tanto gosto de evitar. E, de facto, precisávamos de nos apressar. E, para dizer a verdade, desta vez, eu até queria essa pressa.
“Apressa-te!”, pedi-te sem saberes. Ainda hoje não sabes o quanto supliquei que te despachasses. E tu sabias tanto quanto eu, que tal e qual um certo famoso conto de fadas, abandonaria todo o teu espaço em pouco tempo. Tu sabias, tanto quanto eu, o quanto nos precisávamos de despachar.
Era uma questão de horas, o deixar de te olhar.
E, de repente, apercebi-me para onde olhava. Apercebi-me que, se calhar, não teria sido pior ter conseguido concentrar o meu olhar nos olhos, em vez de me focar no teu sorriso… Porque o teu sorriso tem um poder que não deves conhecer. Ou então, se calhar, até conheces e por isso é que usaste essa arma ali, em tempo de guerra… em tempo de contra-relógio, em tempo de pressa. Por outro lado, obrigada por me sorrires.
Pairava urgência no ar. Havia um tic-tac mental demasiado rápido, uma sensação acelerada, uma separação inevitável, uma batida apressada. Não sei se a batida era da música, do coração, da ansiedade de nos precipitarmos - e de tanto nos querermos precipitar, sem tempo para o fazer.
Confesso que sei muito pouco sobre este momento. Lembro-o como um sonho rápido que pouco decorei ou um filme que não tive tempo de pôr a gravar. Confesso que tenho as minhas dúvidas se aconteceu, de tão volátil que foi, de tão pouco que o guardei - mas, definitivamente, é quase como se não tivesse acontecido.
Senti um olhar cruzado demasiado imprevisivelmente.
Senti uma música silenciada pela força do momento.
Sinto fechar o sorriso num beijo.
Sinto fechar as mãos no teu corpo.
Sinto o momento a correr, sem ter tempo de o pausar, sem ter tempo de apreciar o que quer fosse dos teus lábios, sem ter tempo de perceber o teu toque nas minhas costas. Sinto o mundo andar à roda tão depressa quanto um cronómetro.
A pressa é, realmente, inimiga da perfeição. Onde já se viu, estragar um momento com todas as condições para ser perfeito, com a sua inconveniência e precipitação!
E eu sinto o tempo a fugir, sem energia para correr atrás dele. Sinto-me perder-te para uma agenda, para toda uma vida que não se cansa de chamar… Sinto que por muito que te agarrasse com força, para nos podermos saborear, o momento correria ainda com mais força. Sinto que por muito que te pedisse para esperar, o relógio avançaria sem demoras. Sinto que por muito que o nosso beijo se fosse tentando estender, o tempo não teria qualquer piedade… o fim chegaria sempre, sem qualquer remorso, sem delongas, como um jantar que fica pelas entradas, uma viagem que acaba ao chegar ao destino, um sonho que acaba quando o vives… como um doce que desaparece numa só dentada. Estávamos diante um prazo inflexível, uma data de validade irrevogável.
E desapareceste. De certa forma, ficaste para trás. E o momento foi tão volátil que nem o som dos teus lábios, o toque do teu olhar ou o brilho do teu beijo, eu pude trazer comigo.
Nem a sensação de aperto das tuas mãos na minha cintura eu conservei. Nem o chamar da tua voz eu me recordo. Emersei desse momento tão depressa quanto mergulhei nele, ou ainda mais rapidamente. Foi um suspiro fugaz e, logo agora que não sei de ti, o tempo já acalmou, o relógio já me respeita, a vida decorre sem grande pressa … e sinto os meus beijos com vontade de te encontrar.
Segredei à cidade o meu desejo de te ver, o meu desejo de te ter, de saber por onde andas, de acalmar esta ansiedade.
Segredei bem baixinho, com vontade de desvendar os sonhos que tenho por contar, os pesadelos que tanto quero esquecer e deixar ir devagarinho.
Segredei quase silenciosamente, como quem não quer perturbar, como quem não quer acordar, o mundo que ainda dorme e pensa conhecer-me perfeitamente.
Segredei à cidade todos os momentos prometidos, todos os momentos tão vividos, e os que ficaram por passar, recordando-os com claridade.
As luzes da cidade piscaram, talvez a dizer que perceberam, talvez a dizer que me ouviram, talvez só porque sim, sem saberem dos segredos que lhe contaram.
Os carros da cidade desapareceram, deixaram de correr, deixaram de se ver, as ruas ficaram desertas, sem as palavras que não se disseram.
Segredei à cidade tudo o que ficou por acontecer, tudo o que ficou por dizer, como quem tanto quer paz, como quem só quer felicidade.
Segredei à cidade minha tudo o que de ti visitei, cada beijo que troquei, em como te dei o que era meu, em como te entreguei o que não tinha.
Segredei à cidade, sem qualquer esperança, coração de insegurança, olhar cheio de sonhos, e alma cheia de vontade.
Segredei sem parar à cidade partilhada, à cidade tão explorada como cada canto teu, cada traço desse olhar.
Não quis esconder nada, à cidade que era tudo, à cidade que era um mundo à cidade que conhecia toda a história encantada.
Segredei à cidade tua, que não sei, não conheço a lei de amores perdidos desfeitos à luz da lua.
E eu pensei num final bem credível, não fosse alguém reparar, não fosse alguém querer acreditar na descrição tão real de um sonho quase impossível.
Inventei um final feliz, que gostava de ter tido que me haviam prometido, final de seres tão meu, final que sempre quis.
Não sei se a cidade me ouviu, de tão baixo que falei, de tão alto que calei as lágrimas que falaram de um futuro que fugiu.
Aquela cidade ficou lá e eu decidi vir embora, eu que sempre fui de fora, que a assumi minha por ti, pedi-lhe para te trazer para cá.
Segredei à tua cidade o meu desejo de viver, o meu desejo de me ter, de poder fazer tudo sem ti, e aprender a calar a saudade.
Eu descanso: ao chegar a casa e ter-te lá, sorrindo para mim, eu descanso.
Eu relaxo, ao ver os teus olhos brilhantes, da perspectiva do teu colo, eu relaxo.
Talvez nunca te tenha dito, mas tu és o meu descanso.
Tu és o meu descanso, o meu aconchego, o meu abrigo, o meu travesseiro favorito.
Tu és a minha calma, és o meu casulo, o meu sonho mais bonito, a melhor canção de embalar.
És casa, és morada, és teto, as quatro paredes mais seguras.
És o céu, o meu céu, e a terra, e o inferno, és os pés no chão, a razão da cabeça no ar.
És decência, perdição, ponto forte, ponto fraco, virtude e defeito, devoção.
És consciência e irreflexão: És nascer e por do sol, Luz e escuridão, És estrela e és lua,
Sorte a minha, ser tão tua!
E eu descanso em ti, que és ponto de encontro de emoções conhecidas, de emoções perdidas ou nunca sentidas, de emoções promovidas pelo toque do teu sorriso.
E eu relaxo contigo, que és fogo e tempestade, que és paz e calmaria, que me afoga e traz acima, que me suga e dá energia.
Talvez nunca te tenha dito, mas tu és o meu descanso, o motivo de desligar, o meu toque de despertar.
És a página mais gasta, do bestseller mais lido, és a cor que me fica melhor, o meu filme preferido, a música mais ouvida, com a letra que sei de cor.
És Norte e Sul, caminho por explorar, que conheço de ponta a ponta. És montanha mais alta, o precipício que não tenho medo de saltar.
És confiança e segurança, és força que me abraça e me deixa as pernas bambas, és recreio em dia de escola, pausa para café aberta em céu nublado, água fresca em dia de calor, a primeira dentada num gelado.
És silêncio e som, o melhor pedaço de cada momento bom.
És as cores todas juntas, arco-íris a preto e branco, o longe que se faz perto, a folga e o aperto, o equilíbrio, o errado que não podia ser mais certo.
És o doce e o amargo, de beijos deliciosos. És o picante e o salgado, a sobremesa mais procurada, a surpresa tão esperada, o detalhe destacado.
E eu descanso em ti, quando me acolhes , quando realmente me envolves, quando dizes que me escolhes, para sempre.
E eu deixo-me relaxar, quando finalmente me abraças, e eu me encaixo em ti, nos braços que me apertam, sem nunca me apertar, no peito que desperta em sintonia com o meu descansar, nos ombros-casa que me chamam a gritar.
E tu és manhã, tarde e noite, a melhor parte do meu dia, desespero e esperança, a minha constante inconstante, a minha impaciência incontrolável, a minha energia contagiante.
E eu deixo-me ir em ti, em ti que és loucura e sanidade, tona e profundidade, o labirinto em que nunca me perco, curva acentuada em linha reta, a clara definição de saudade.
E eu descanso em ti, na tua presença, no meu finalmente, no teu para sempre, no nosso princípio, meio e fim.