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#EsteOutroMundo

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Vista - mar.

Eu sabia que provavelmente seria tudo desse teu sorriso (malandro) para fora. Tinha toda a certeza do mundo de que não podia confiar, quando tudo em ti parecia ser a ilusão personificada. 

Mas tu quiseste agendar um crime.  Deixaste propositadamente escapar, sem culpa, onde e quando. Fizeste-me querer marcar presença num momento ilícito. E nós não o verbalizámos de forma evidente...isso seria demasiado óbvio - e haveria provas. Mas ficou marcado com local, data e hora - com culpa, clandestinidade e vontade.

 

Era um encontro secreto, amanhã, com vista-mar.

 

E eu fui , sem saber o que queria , mas a saber - tão bem - o que esperar. E cheguei atrasada para a hora marcada comigo mesma, bem a tempo de ti, com a postura de quem não quer só chegar, mas ficar também. Cheguei cheia de noção do que poderia acontecer, fazendo força para que não acontecesse e fingindo não saber de nada. Cheguei cheia de mim, comigo mesma. Cheguei onde tinhas dito que estarias. 

Tu sabias que eu viria, e eu sabia onde te encontrar. Era tão mais fácil se não soubesse onde te encontrar.

Era um encontro clandestino, hoje, com vista-mar.

E... não sei se foi da paisagem (tu não tinhas como saber, mas o horizonte azulado sempre me deixou vulnerável), se foi do cheiro (tu não tinhas como saber, mas a maresia deixa-me demasiado livre), ou da sensação térmica (tu não tinhas como saber, mas o ar quente salgado tolda-me a consciência), mas perdi-me ao me cruzar contigo de novo quando, previsivelmente, descaradamente e finalmente, decidiste dar o ar da tua graça - ou da minha desfortuna.

Era tão mais fácil se não tivesses vindo.

Parte de mim queria muito que não viesses - nunca haveria delito, não haveria vítimas, nem se consumariam beijos que deveriam ser impróprios para consumo, nem haveria balas perdidas, demais transgressões ou eventuais e inevitáveis regressos ao local do crime. Mas a outra... ai a outra parte! A parte que ficou desolada com o não te encontrar logo e com o teu (ligeiríssimo) atraso ao nosso encontro não combinado, a parte que ficou impaciente com a tua ausência, a outra parte que queria, desesperadamente, que não tivesses tardado, que viesses sem passado, que viesses desarmado.

Era tão mais fácil se viesses desarmado.

Mas tu não só vieste armado, como trouxeste toda uma artilharia pesada que eu já conhecia - e que mexeu comigo desde a primeira vez. E eu apresentei-me negligente - sem desculpas, sem culpa, sem armas - perante todo o teu arsenal. Eu numa inocência bélica, tu numa aura clandestina.

E fugiu tudo.

Fugi de mim.

 

 

Rendi-me!

Perdi-me:

Perdi-me de mim.

 

Mas tu não me perdeste e eu encontrei-te e não me devia ter encontrado também. Mas encontrei-nos aos dois, numa conjugação que só deveria existir no singular. Encontrei-nos num crime que provavelvemente nunca prescreveria. Encontrei-nos em tudo o que não devia ser mexido, em tudo o que deveria ser evitado, em tudo o que eu bem sabia ser ilegal, em tudo o que não sabia e que sabia bem de mais, em tudo o que (me) saberia bem de mais, em tudo o que bem me soube. E bem me quis. E a pouco me soube. Soubemos, sabemos, saboreámos, somos, fizemos, fomos, foste, fui. Fugi de ti. 

 

E, no fim, voltei para mim.

Era tão mais fácil se não tivesse fugido de mim.

Rescaldo.

No rescaldo de algumas histórias, os pés enterram -se em areias brancas.
Os olhos, que refletem um azul-mar, brilham perante a imensidão de um céu cor de rosa e sobre a ideia do desconhecido que estará para além do que a vista alcança. Sentem-se abraços apertados, corações acelerados, cabelos enrolados pelo vento, e arrepios causados por um toque em tal contexto.

No rescaldo de alguns momentos, partilham-se segredos e entrelaçam-se dedos. Dividem-se memórias. Sorriem-se bocas, que se descolam de vez em quando, entreolham-se almas que nunca chegarão a conhecer-se verdadeiramente. Sentem-se braços que apertam, mãos que seguram e deixam ir ,sentem-se risos que se perdem até às nuvens que vestem o céu.

No rescaldo de alguns contos, conhece-se o fim e saboreia-se o início, como se algo de imprevisível fosse prometido, sem o ser. Dizem-se cantigas e lemas, dizem-se gargalhadas e dizem-se olhares. Há um diz-que-disse, um conto com um ponto acrescentado, um beijo inesperado e um virar de página. Há um sorriso tímido perdido algures entre gargalhadas fartas, e gargalhadas guardadas para recordar a sorrir, um vislumbre de glória que se vive em areia branca, fundo de mar e na luz maravilhosa de um por do sol. Há um vislumbre idílico de uma utopia que, à partida (e ao fim ao cabo), nunca existiu. Há uma epopeia de meio verso que não rima.

No rescaldo de alguns beijos, há o fim já previsível que se precipita, que se faz mostrar, que se apresenta a gritar. Há um parar de soar de trompetes, uma travagem brusca, um impulso...

E a calma volta a pairar em areias brancas que enlaçam no mar paradisíaco pintado num céu de cores quentes.

No rescaldo de um anoitecer, sentem-se borboletas levantar voo. De asas agitadas, marcam uma presença colorida, mas fugaz. Há desejos de um bom dia, de um regresso, de um amanhecer. Mas, no rescaldo de algumas manhãs, sente-se que não há volta a dar, que não há regressos, que não se pode voltar, não há amanhã - não tão bom como hoje.

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