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#EsteOutroMundo

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Arrepios.

Subi as escadinhas que davam até à tua porta e toquei à campainha como se fosse a primeira vez.

Era inevitável não me arrepiar ao chegar ali e em pensar em todas as hipóteses e histórias que se viveram e não poderiam esperar do outro lado da porta... estarias como eu? Eu tremia por dentro, vibrava de vontade de te abraçar, tinha o coração a mil com toda a conversa que nos levou até este ponto, tinha um aperto no peito com a possibilidade de estares a precisar tanto de mim como eu de ti, naquele instante.

Abriste a porta e olhámo-nos de alto a baixo como se fosse a primeira vez que nos víamos – talvez fosse a primeira vez que alguém realmente nos via em muito tempo. Segui-te como se estivesse nos corredores de um museu, um caminho que parecia um labirinto, entre umas paredes que se sentiam demasiado estreitas para a tensão e ansiedade que estava a gritar dentro de mim. Deixei-te levares-me onde me querias, deixei-te guiares-me pelo espaço, como achavas melhor. A minha ignorância do que fazer contigo (connosco) era demasiada! E não estava a conseguir ignorar, de todo, a vontade de te agarrar, de te acalmar, de te encostar ao meu peito: sem prudência, sem jeito, sem trejeitos, sem medos, ou desconceitos, ou segundas intenções.

 

Cada passo que davas, puxava-me mais para ti e tu, aí do teu canto, se calhar nem percebias. Estarias como eu?

 

Era inevitável não gostar de toda aquela situação. De toda aquela história que estavamos a criar quase de repente, quase sem querer, como se fosse a primeira vez.

E, de repente, tu paraste e viraste-te para mim. Olhaste-me de alto a baixo e viste-me como se nunca ninguém me tivesse visto, como se eu fosse a única pessoa à face da terra, parecias estar a estudar cada um dos meus traços, dos meus cantos, parecias decorar cada um dos meus sinais. Arrepio na espinha. Senti-me como se me estivesses a criar à medida que os teus olhos percorriam cada milímetro meu e eu ia aparecendo diante de ti, despida de noções e teorias. Senti o meu corpo aparecer como nunca, e senti a minha alma derreter aos teus pés. Senti-me como se finalmente alguém me visse – alguém me quisesse ver. Arrepio na nuca. Estarias como eu?

Estendeste-me a mão, e a minha não se inibiu nem um pouco em aproveitar o embalo. Puxaste-me para ti, assim que os teus dedos sentiram os meus. Os nossos corpos esbarraram como se fosse a primeira vez e senti mais um arrepio em mim, que desta vez levou exatamente o mesmo percurso que os teus olhos tinham feito momentos antes. Agora sim, era inevitável não gostar de toda aquela situação... Sensação. Os meus sentidos cruzaram-se dentro de mim: euforia, harmonia, sinfonia, poesia. Vi o filme da minha vida diante dos meus olhos, naquele instante. Vi todo um futuro desenhado pela minha imaginação e adivinhei cada toque, cada carinho, cada palavra silenciosa que se seguiu. Estarias como eu?

Despedimo-nos da vida, da rotina e do dia. Despimo-nos de nós . Focámos no ninho que tinhamos encontrado um no outro - e não importava o tempo lá fora. Ouvia-se chuva, ouvia-se vento e trovoada: sentiamos sol, sentia-te Sol. Fogo. Escutámos silêncio, escutámo-nos no silêncio. Dançámos corredor fora: descoordenados, como quem não sabe dançar (e não faz ideia do que vai acontecer) mas tão sincronizados! Embebedámo-nos um no outro (um do outro). Mergulhei nesses olhos que pareciam ver-me por dentro, que pareciam querer ler-me por completo. Tropecei, quase sem querer em ti e aterrei, sem proteção, em tudo o que éramos naquele momento. Fechei os olhos e segui guiada pelo magia do inesperado.

 

Não sabia o que viria dali. Tu saberias? Terias estudado tudo, como me estudaste a aura?

Eu não fazia ideia... mas aquela dança desmedida de olhares, aquela sintonia de arrepios, aquela explosão de sentidos, auguravam tudo de bom.

Dentro de todo o caos.

Eu sabia que voltarias.

Eu sabia que ia mergulhar novamente nesses teus dois pontos chocolate, que iria saborear de novo esse sorriso caramelo que tanta fome me dava, que ainda iria ver o meu corpo no teu a dar um nó - um nó cego, daqueles que custa a desapertar e que nunca ninguém iria ser capaz de explicar.

 

Eu sabia que todo este esforço iria trazer um bom prémio no final, todo este alvoroço traria o melhor resultado possível,  toda esta tempestade traria a maior paz quando passasse. Seria impossível resistirmos, depois de tanto, ao abraço um do outro, aos sussurros e conchinhas, aos cheiros e toques, aos beijos e cuidados. Seria impossível não querermos repetir toda a ligação inegável, toda a paixão que nunca fora pronunciada, toda o fogo que nunca fora controlado, todo o orgulho que sentíamos um pelo outro. Nunca fora segredo, toda a cumplicidade.

 

Mas agora... agora tudo além estava pronto a ser desvendado, por fim. Nada nos pararia! O mundo começara a girar como nós desenhámos: a passadeira vermelha estava, finalmente, estendida para todos aqueles sentimentos oprimidos e a avenida aprumada para os medos sambarem para fora dali.

 

Bem vindos, de alma e coração, ao cliché do resto da vossa vida!

 

Os cientistas deveriam, com certeza, estudar como era possível toda esta química nunca ter dado em explosão. Nunca entrara: sempre a podemos controlar, sempre a soubemos resguardar. Sabíamos como a tratar com o jeitinho certo para ser tão nossa, e só nossa, mesmo que exibicionista.

Dentro do caos da vida e da rotina, dentro do caos da agitação e da ansiedade, dentro do caos de uma anarquia, virámos ponto de encontro. A sorte trouxe-te para mais perto, o destino fez-nos um do outro no momento certo - e eu sabia tão bem o nosso lugar, dentro de todo o caos! O mapa deste tesouro estava muito resolvido: eras centro, eras serenidade, eras ponderação e proximidade.

Nunca fomos urgência, nunca fomos imediato ou promessa. Nunca fomos simulação ou concretude. Éramos segurança e descanso, desejo e amparo. Encontrávamos um no outro um ar mais respirável e uma força que tornava tudo fácil. Encontrámo-nos um no outro, com a tranquilidade de quem sabe que a pressa não traz perfeição: e nós éramos perfeição ideal, dentro de todos esses caos. Nós ficámos um do outro sem deixar de ser de nós, nós ficámos todo um mundo com todo o tempo para se fazer descobrir.

 

Sabíamos que a vida é curta de mais para ficar a pensar , para perder tempo e, talvez por isso, nos tenhamos encontrado finalmente, depois de tanto nos vermos. Vimo-nos diferente, depois de pousarmos um no outro, depois de nos encontrarmos. Aterramos um no outro, novamente e no nosso nada caos, com todo o caos em volta: eu sabia que voltarias - e eu não precisava de ti, não precisava desse teu jeito ou de toda a paz que me trazias, nem te ia pedir para ficares para sempre, mas esperava que o quisesses tanto quanto eu. Dava tempo para isso - ainda dava tempo para ficarmos um no outro para sempre.

Dentro de todo este caos de estar sem ti, eu sabia que virias. Dentro de todo este caos, que era ter-te sem nos ter, eu sabia que te teria. Dentro de todo este caos de não saber como nos querer, eu sabia que nos queria. Eu sabia que voltarias.

caos.png

 

 

You in a sip.

Just a little bit longer, please. A moment more, I swear it will be fast.

I just need a bit more: a last word, a last kiss, a last touch, a last hug. Just a few seconds, please. Give me just one more glimpse, a smile, a walk, some cuddles. Give me just one more call, one more message. Give me one more dinner, a slice from a pizza we ordered in a rush, one more cookie... just a bite. Give me one more date: should we drink coffee? One cup more only. A sip, maybe? A little tiny sip...

Pause us. Keep us. Hold on to us.
Give me just an instant more. A no-way-back walk by me, to you. Then I will return to me, but I will have you with me. I promise to arrive and don't leave. I promise to stay. I promise you my existence. I promise to you the "yets", the "everythings" and "alls", the "forevers". I promise you sweet, intense, permanent words. I promise you long kisses upon arrival, and bigger ones during the soon-ending "goodbyes". I promise to you the night-long touches. I promise no reason hugs just because, and heartening hugs as needed. I promise I will always see you. I promise to remember your glances, your smiles, and the Sunday afternoon cuddles.

Give me what you never gave me before. Let me give you as much as I have to offer you. Give me just a little bit more, and I will give you everything I can, so you will want to share everything you have for me.

 

Then I will give you all the time in the world. Actually, I will give you my own world. I just need a little longer... Do you mind giving me some more minutes, please? Some hours, maybe... there's so much to do - a gigantic world to live in, a whole kiss for us to be in.

Linger here: stay longer... on my behalf, for those lips - and everything else - I will stay with no hesitation! There's so much that I still want to show you, so much to unveil! Stay just some time more, it is still early! Don't go yet, I barely saw you - I barely felt us and want us so badly. Just stay here, ok? At least for a moment more: give me a little bit more of you.
Give me a little bit more of us - some days more, maybe. Maybe I am being too bold, as time is something so valuable... But would be a lot to ask you for some months more? It is not that much, I believe... and forgive me my madness, but every time I think of you, I want you a little bit more. I want us a little bit more - a sip from what was not that perfect, but was good enough to love.

Give me a little bit more of us: I was wondering, perhaps, for some years more... and then you just lie here for the rest of our life, pretending we mind that. I really just want a sip more: a sip from the "yesses" and from the "likes". A sip from your oh-so-good intuition - because we both know mine doesn't work that way. A sip from a dream not this short, a sip from a moment that lasts, a sip from a "once upon a time" that can be turn into a "forever" straight away.

Give me a little bit more of us, a little bit more of this, because it was gone in a blink of an eye. Give me just a sip more of us... you in a sip, please.

Um trago de ti.

Só mais um pouco, por favor. Mais um bocadinho, que eu prometo que é rápido!

 

Só preciso de um pouco mais. Uma última palavra, um beijo, um toque, um abraço. Só mais uns segundos, por favor.

Dá-me só mais um olhar, um sorriso, um passeio, um cafuné. Dá-me só mais uma chamada, uma mensagem.

 

Dá-me mais um jantar, uma fatia de pizza encomendada à pressa, uma bolacha... uma dentada, apenas. Dá-me só mais um encontro: bebemos um café? Só mais um copo. Um gole, talvez? Um pequeno tragozinho...

 

Pausa-nos. Guarda-nos. Preserva-nos.

Dá-me só mais um momento. Só mais uma caminhada por mim, num caminho sem volta até ti. Depois volto eu a mim, mas fico-me contigo. Prometo chegar e não partir. Prometo ficar. Prometo-te a minha existência. Prometo os “aindas”, os “tudos”, os “sempre”. Prometo-te as palavras de significado doce, intenso e permanente. Prometo um beijo longo à chegada, um ainda maior nas despedidas provisórias. Prometo-te um toque demorado que pernoite. Prometo-te abraços apertados sem motivo, e os confortantes sempre que precisares. Prometo ver-te. Prometo guardar-te os olhares, os sorrisos e o cafuné de domingo à tarde.

 

Dá-me o que ainda não me deste. Deixa-me dar-te o tanto que tenho para oferecer. Dá-me só mais um pouquinho, que eu dou-te tudo o que poder, para quereres partilhar tudo o que tens para mim. E eu depois dou-te o tempo todo do mundo. Dou-te todo o meu mundo, na verdade. Só preciso de mais um bocadinho... dás-me mais uns minutos , por favor? Umas horas talvez... ainda há tanto para fazer – um mundo gigante para vivermos, um beijo inteirinho para demorarmos.

 

Demora-te aqui: fica com delongas... que daqui, da minha parte, por esses lábios - e todo o resto - não hesito em ficar, e ainda há tanto que te quero mostrar e tanto para te desvendar! Fica mais um bocado, que ainda é cedo. Não vás já, que mal te vi - mal nos senti e bem nos quis. Fica-te por aqui, sim? Pelo menos mais um pouco: dá-me mais um pouco de ti.

 

Dá-me mais um pouco de nós – uns dias, talvez. Talvez seja ousadia da minha parte, sendo o tempo algo tão precioso... Mas seria muito pedir-te mais uns meses? É só mais um pouquinho e perdoa-me a loucura, mas cada vez que penso em ti, quero-te um pouco mais. Quero-nos um pouco mais – um trago do que não era perfeito, mas tão bom.

 

Dá-me mais um pouco de nós: peço, talvez, só mais uns anos e depois ficas o resto da vida, como quem não quer a coisa. Só quero mesmo um trago a mais: um trago dos “sins”, dos “gosto”. Um trago dessa intuição, porque a minha ambos sabemos que não funciona. Um trago de um sonho que não seja tão breve, um trago de um “era uma vez” que pode imediatamente ser um “para sempre”.

 

Dá-me só mais um pouco mais de nós, um pouco mais disto, que soube a tão pouco. Dá-me só mais um trago de nós... só mais um trago de ti, por favor.

trago01.png

Inveja.

Quase que invejo essa tua praia!

Sendo ela o teu horizonte e a primeira coisa que a tua vista alcança quando olhas da tua janela. É nela que os teus olhos pousam quando te distrais (ou será ela que te distrai quando os teus olhos se cruzam com ela?), deixaste-te enterrar nela, deixa-la envolver-se em ti. Deixa-la cruzar no teu caminho, acompanhar-te numa caminhada tantas mais vezes que eu!

E as vezes que deitas a tua cabeça nela em vez de a deitares em mim? 

Quantas vezes a areia dessa praia já te abraçou e colou a ti... quantas vezes já sentiu o calor do teu corpo? Quantas vezes essas ondas já encontraram o teu peito... já se encontraram no teu abraço? Quantas vezes essa espuma beijou a tua pele?

E logo eu que gosto tanto de praia, fui assolada por este ciúme da tua praia. Só imagino as vezes que já te perdeste por aí, as vezes que já te despiste para ela... Torna-se difícil não invejar a sorte dessa paisagem, que já te teve como parte integrante e eu nem hipótese de admirar esse momento tive. Torna-se difícil resistir a um ciúme louco de imaginar que te toca mais vezes que eu. Torna-se impossível não desejar loucamente ser essa praia, ou ter, pelo menos, um pouco da sua sorte. 

A sorte de ver esse teu sorriso, de se poder perder nos teus olhos e de os fazer brilhar. Lotaria de milhões, o poder ter-te a deitares-te sobre ela. 

É... definitavamente, invejo a tua praia. As visitas que lhe fazes, a sensação que te faz sentir, a vontade que tens de a ver, e o poder tocar-te tanto mais que eu. Definitivamente, emulo-a . No entanto, como posso criticar se faria o mesmo à mesma oportunidade? Se te deixaria perderes-te em mim ao primeiro resquício da tua vontade de o fazeres?

Tenho a certeza que esta inveja me faria ladra: roubaria a sorte dessa tua praia sem pestanejar. Não tenho dúvidas de que esta inveja me transformaria em bruxa: aprenderia todos os truques necessários para quebrar essa maldição que ela te lançou - ou todos os feitiços para que essa sorte fosse minha. Não hesitaria, convictamente, em trocar de lugar com ela e te beijar de cima abaixo, abraçar-te e enroscar-me em ti - seria , prontamente, um desses grãos de areia que levas para casa. 

No entanto, trocaria a sorte desse sítio, por ser eu a tua sorte. Ser a tua sorte para nos perdermos juntos nesse por de mar, nessas nuvens de espuma, nessas ondas de sol... nessa tua praia invejável. 

 

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Vista - mar.

Eu sabia que provavelmente seria tudo desse teu sorriso (malandro) para fora. Tinha toda a certeza do mundo de que não podia confiar, quando tudo em ti parecia ser a ilusão personificada. 

Mas tu quiseste agendar um crime.  Deixaste propositadamente escapar, sem culpa, onde e quando. Fizeste-me querer marcar presença num momento ilícito. E nós não o verbalizámos de forma evidente...isso seria demasiado óbvio - e haveria provas. Mas ficou marcado com local, data e hora - com culpa, clandestinidade e vontade.

 

Era um encontro secreto, amanhã, com vista-mar.

 

E eu fui , sem saber o que queria , mas a saber - tão bem - o que esperar. E cheguei atrasada para a hora marcada comigo mesma, bem a tempo de ti, com a postura de quem não quer só chegar, mas ficar também. Cheguei cheia de noção do que poderia acontecer, fazendo força para que não acontecesse e fingindo não saber de nada. Cheguei cheia de mim, comigo mesma. Cheguei onde tinhas dito que estarias. 

Tu sabias que eu viria, e eu sabia onde te encontrar. Era tão mais fácil se não soubesse onde te encontrar.

Era um encontro clandestino, hoje, com vista-mar.

E... não sei se foi da paisagem (tu não tinhas como saber, mas o horizonte azulado sempre me deixou vulnerável), se foi do cheiro (tu não tinhas como saber, mas a maresia deixa-me demasiado livre), ou da sensação térmica (tu não tinhas como saber, mas o ar quente salgado tolda-me a consciência), mas perdi-me ao me cruzar contigo de novo quando, previsivelmente, descaradamente e finalmente, decidiste dar o ar da tua graça - ou da minha desfortuna.

Era tão mais fácil se não tivesses vindo.

Parte de mim queria muito que não viesses - nunca haveria delito, não haveria vítimas, nem se consumariam beijos que deveriam ser impróprios para consumo, nem haveria balas perdidas, demais transgressões ou eventuais e inevitáveis regressos ao local do crime. Mas a outra... ai a outra parte! A parte que ficou desolada com o não te encontrar logo e com o teu (ligeiríssimo) atraso ao nosso encontro não combinado, a parte que ficou impaciente com a tua ausência, a outra parte que queria, desesperadamente, que não tivesses tardado, que viesses sem passado, que viesses desarmado.

Era tão mais fácil se viesses desarmado.

Mas tu não só vieste armado, como trouxeste toda uma artilharia pesada que eu já conhecia - e que mexeu comigo desde a primeira vez. E eu apresentei-me negligente - sem desculpas, sem culpa, sem armas - perante todo o teu arsenal. Eu numa inocência bélica, tu numa aura clandestina.

E fugiu tudo.

Fugi de mim.

 

 

Rendi-me!

Perdi-me:

Perdi-me de mim.

 

Mas tu não me perdeste e eu encontrei-te e não me devia ter encontrado também. Mas encontrei-nos aos dois, numa conjugação que só deveria existir no singular. Encontrei-nos num crime que provavelvemente nunca prescreveria. Encontrei-nos em tudo o que não devia ser mexido, em tudo o que deveria ser evitado, em tudo o que eu bem sabia ser ilegal, em tudo o que não sabia e que sabia bem de mais, em tudo o que (me) saberia bem de mais, em tudo o que bem me soube. E bem me quis. E a pouco me soube. Soubemos, sabemos, saboreámos, somos, fizemos, fomos, foste, fui. Fugi de ti. 

 

E, no fim, voltei para mim.

Era tão mais fácil se não tivesse fugido de mim.

Rescaldo.

No rescaldo de algumas histórias, os pés enterram -se em areias brancas.
Os olhos, que refletem um azul-mar, brilham perante a imensidão de um céu cor de rosa e sobre a ideia do desconhecido que estará para além do que a vista alcança. Sentem-se abraços apertados, corações acelerados, cabelos enrolados pelo vento, e arrepios causados por um toque em tal contexto.

No rescaldo de alguns momentos, partilham-se segredos e entrelaçam-se dedos. Dividem-se memórias. Sorriem-se bocas, que se descolam de vez em quando, entreolham-se almas que nunca chegarão a conhecer-se verdadeiramente. Sentem-se braços que apertam, mãos que seguram e deixam ir ,sentem-se risos que se perdem até às nuvens que vestem o céu.

No rescaldo de alguns contos, conhece-se o fim e saboreia-se o início, como se algo de imprevisível fosse prometido, sem o ser. Dizem-se cantigas e lemas, dizem-se gargalhadas e dizem-se olhares. Há um diz-que-disse, um conto com um ponto acrescentado, um beijo inesperado e um virar de página. Há um sorriso tímido perdido algures entre gargalhadas fartas, e gargalhadas guardadas para recordar a sorrir, um vislumbre de glória que se vive em areia branca, fundo de mar e na luz maravilhosa de um por do sol. Há um vislumbre idílico de uma utopia que, à partida (e ao fim ao cabo), nunca existiu. Há uma epopeia de meio verso que não rima.

No rescaldo de alguns beijos, há o fim já previsível que se precipita, que se faz mostrar, que se apresenta a gritar. Há um parar de soar de trompetes, uma travagem brusca, um impulso...

E a calma volta a pairar em areias brancas que enlaçam no mar paradisíaco pintado num céu de cores quentes.

No rescaldo de um anoitecer, sentem-se borboletas levantar voo. De asas agitadas, marcam uma presença colorida, mas fugaz. Há desejos de um bom dia, de um regresso, de um amanhecer. Mas, no rescaldo de algumas manhãs, sente-se que não há volta a dar, que não há regressos, que não se pode voltar, não há amanhã - não tão bom como hoje.

Vive-te.

Sabes viver com o tempo,
com o vento,
com o relógio a contar.

Sabes viver com a chuva,
com a lua,
com os dias a passar.

Sabes viver com os sonhos,
com os medos,
com a vontade de acordar.

Sabes viver a vida,
desprendida,
com vontade de a despertar.

E vais vivendo calmamente,
relaxada,
encantada,
com os olhos a brilhar.

E vais vivendo o momento,
tranquila,
não vacila,
com o coração a vibrar.

E vais vivendo o sol,
o calor,
o amor,
com o peito a borbulhar.

E vais vivendo e sorrindo,
como quem quer paz,
sem olhar para trás,
mas as memórias a chamar.

E a vida leva-te ao colo
e tu levas uma vida e tanto,
uma vida e muito,
cheia de encanto.

E a vida deixa-te ir,
e tu cheia de vontade,
de ir, vir e sorrir
de respirar felicidade.

E a vida traz-te cor,
e tu deixas-te levar,
deixa-la fluir,
deixas-te pintar.

E a vida guarda-se em ti
e tu transpiras vida,
deixa-la chegar e fluir,
transpiras uma alma florida.

E vais voando,
vais vivendo,
com os teus sonhos e lemas,
os teus medos e dilemas,
com os teus problemas,
os teus sorrisos e esquemas.

E com uma veia colorida,
tu vives-te,
ela vive-te,
e tu vives a vida.

Cidade.

Segredei à cidade
o meu desejo de te ver,
o meu desejo de te ter,
de saber por onde andas,
de acalmar esta ansiedade.

Segredei bem baixinho,
com vontade de desvendar
os sonhos que tenho por contar,
os pesadelos que tanto quero esquecer
e deixar ir devagarinho.

Segredei quase silenciosamente,
como quem não quer perturbar,
como quem não quer acordar,
o mundo que ainda dorme
e pensa conhecer-me perfeitamente.

Segredei à cidade
todos os momentos prometidos,
todos os momentos tão vividos,
e os que ficaram por passar,
recordando-os com claridade.

As luzes da cidade piscaram,
talvez a dizer que perceberam,
talvez a dizer que me ouviram,
talvez só porque sim,
sem saberem dos segredos que lhe contaram.

Os carros da cidade desapareceram,
deixaram de correr,
deixaram de se ver,
as ruas ficaram desertas,
sem as palavras que não se disseram.

Segredei à cidade
tudo o que ficou por acontecer,
tudo o que ficou por dizer,
como quem tanto quer paz,
como quem só quer felicidade.

Segredei à cidade minha
tudo o que de ti visitei,
cada beijo que troquei,
em como te dei o que era meu,
em como te entreguei o que não tinha.

Segredei à cidade,
sem qualquer esperança,
coração de insegurança,
olhar cheio de sonhos,
e alma cheia de vontade.

Segredei sem parar
à cidade partilhada,
à cidade tão explorada
como cada canto teu,
cada traço desse olhar.

Não quis esconder nada,
à cidade que era tudo,
à cidade que era um mundo
à cidade que conhecia
toda a história encantada.

Segredei à cidade tua,
que não sei,
não conheço a lei
de amores perdidos
desfeitos à luz da lua.

E eu pensei num final bem credível,
não fosse alguém reparar,
não fosse alguém querer acreditar
na descrição tão real
de um sonho quase impossível.

Inventei um final feliz,
que gostava de ter tido
que me haviam prometido,
final de seres tão meu,
final que sempre quis.

Não sei se a cidade me ouviu,
de tão baixo que falei,
de tão alto que calei
as lágrimas que falaram
de um futuro que fugiu.

Aquela cidade ficou lá
e eu decidi vir embora,
eu que sempre fui de fora,
que a assumi minha por ti,
pedi-lhe para te trazer para cá.

Segredei à tua cidade
o meu desejo de viver,
o meu desejo de me ter,
de poder fazer tudo sem ti,
e aprender a calar a saudade.

Descanso em ti.

Eu descanso:
ao chegar a casa e ter-te lá,
sorrindo para mim, 
eu descanso.

Eu relaxo, 
ao ver os teus olhos brilhantes,
da perspectiva do teu colo,
eu relaxo.

Talvez nunca te tenha dito,
mas tu és o meu descanso.

Tu és o meu descanso,
o meu aconchego,
o meu abrigo,
o meu travesseiro favorito.

Tu és a minha calma, 
és o meu casulo,
o meu sonho mais bonito,
a melhor canção de embalar.

És casa,
és morada,
és teto,
as quatro paredes mais seguras.

És o céu, o meu céu,
e a terra,
e o inferno,
és os pés no chão,
a razão da cabeça no ar.

És decência,
perdição,
ponto forte,
ponto fraco,
virtude e defeito,
devoção.

És consciência e irreflexão:
És nascer e por do sol,
Luz e escuridão,
És estrela e és lua,

Sorte a minha,
ser tão tua!

E eu descanso em ti,
que és ponto de encontro
de emoções conhecidas,
de emoções perdidas
ou nunca sentidas,
de emoções promovidas
pelo toque do teu sorriso.

E eu relaxo contigo,
que és fogo e tempestade,
que és paz e calmaria,
que me afoga e traz acima,
que me suga e dá energia.

Talvez nunca te tenha dito,
mas tu és o meu descanso,
o motivo de desligar,
o meu toque de despertar.

És a página mais gasta,
do bestseller mais lido,
és a cor que me fica melhor,
o meu filme preferido,
a música mais ouvida,
com a letra que sei de cor.

És Norte e Sul,
caminho por explorar,
que conheço de ponta a ponta.
És montanha mais alta,
o precipício que não tenho medo de saltar.

És confiança e segurança,
és força que me abraça
e me deixa as pernas bambas,
és recreio em dia de escola,
pausa para café
aberta em céu nublado,
água fresca em dia de calor,
a primeira dentada num gelado.

És silêncio e som,
o melhor pedaço
de cada momento bom.

És as cores todas juntas,
arco-íris a preto e branco,
o longe que se faz perto,
a folga e o aperto,
o equilíbrio,
o errado que não podia ser mais certo.

És o doce e o amargo,
de beijos deliciosos.
És o picante e o salgado,
a sobremesa mais procurada,
a surpresa tão esperada,
o detalhe destacado.

E eu descanso em ti,
quando me acolhes ,
quando realmente me envolves,
quando dizes que me escolhes,
para sempre.

E eu deixo-me relaxar,
quando finalmente me abraças,
e eu me encaixo em ti,
nos braços que me apertam,
sem nunca me apertar,
no peito que desperta
em sintonia com o meu descansar,
nos ombros-casa que me chamam a gritar.

E tu és manhã, tarde e noite,
a melhor parte do meu dia, 
desespero e esperança,
a minha constante inconstante,
a minha impaciência incontrolável,
a minha energia contagiante.

E eu deixo-me ir em ti,
em ti que és loucura e sanidade, 
tona e profundidade,
o labirinto em que nunca me perco,
curva acentuada em linha reta,
a clara definição de saudade.

E eu descanso em ti,
na tua presença,
no meu finalmente,
no teu para sempre,
no nosso princípio, meio e fim.

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