Éramos uma vez.
Fomos um momento apenas:
um apontamento no calendário,
um meio sorriso,
um movimento arriscado,
um canto perdido num mundo imaginado,
um caminho escondido a corta-mato,
um gesto mal-amanhado,
uma meia palavra, meia lua,
céu nublado com abertas,
uma gota perdida numa rua.
Fomos um livro gigante em miniatura,
mas apenas uma linha fina numa folha A4,
um soluço do tempo,
um boato com cinco minutos de fama,
um dicionário sem definições,
perguntas sem resposta,
um pretexto sem contexto,
sem paratexto.
sem momento,
sem encaixe,
sem nexo.
Fomos uma tontice de uma cabeça
com asas que toda a gente dispensa,
um achaque de um peito inquieto,
um impulso de um coração intenso.
Fomos uma boca prestes a falar,
um abraço longe de apertar
um olhar que nunca se trocou,
um beijo que ficou por dar,
um segredo por guardar.
Fomos um presente envenenado,
uma vida não vivida,
o rescaldo de uma epifania,
uma fofoquice de uma epopeia,
o prólogo de uma letra capital,
uma antestreia sem estreia principal,
uma antevisão de um jogo sem apito inicial,
empatado por falta de comparência de ambas as partes.
Fomos nem duas palavras,
um segundo de história,
um poema de um verso,
que não rima,
não termina,
e é impossível de declamar.
Fomos um ponto final,
uma música que nunca se fez,
uma ideia que se desfez,
uma lenda pouco encantada,
um conto sem final feliz,
fomos um sopro,
um ápice,
fomos pouco mais de uma vez,
fomos um momento apenas,
um momento de pouca lucidez
e éramos para ser tudo de uma vez.
Éramos os dois,
Éramos uma vez.