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#EsteOutroMundo

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Rescaldo.

No rescaldo de algumas histórias, os pés enterram -se em areias brancas.
Os olhos, que refletem um azul-mar, brilham perante a imensidão de um céu cor de rosa e sobre a ideia do desconhecido que estará para além do que a vista alcança. Sentem-se abraços apertados, corações acelerados, cabelos enrolados pelo vento, e arrepios causados por um toque em tal contexto.

No rescaldo de alguns momentos, partilham-se segredos e entrelaçam-se dedos. Dividem-se memórias. Sorriem-se bocas, que se descolam de vez em quando, entreolham-se almas que nunca chegarão a conhecer-se verdadeiramente. Sentem-se braços que apertam, mãos que seguram e deixam ir ,sentem-se risos que se perdem até às nuvens que vestem o céu.

No rescaldo de alguns contos, conhece-se o fim e saboreia-se o início, como se algo de imprevisível fosse prometido, sem o ser. Dizem-se cantigas e lemas, dizem-se gargalhadas e dizem-se olhares. Há um diz-que-disse, um conto com um ponto acrescentado, um beijo inesperado e um virar de página. Há um sorriso tímido perdido algures entre gargalhadas fartas, e gargalhadas guardadas para recordar a sorrir, um vislumbre de glória que se vive em areia branca, fundo de mar e na luz maravilhosa de um por do sol. Há um vislumbre idílico de uma utopia que, à partida (e ao fim ao cabo), nunca existiu. Há uma epopeia de meio verso que não rima.

No rescaldo de alguns beijos, há o fim já previsível que se precipita, que se faz mostrar, que se apresenta a gritar. Há um parar de soar de trompetes, uma travagem brusca, um impulso...

E a calma volta a pairar em areias brancas que enlaçam no mar paradisíaco pintado num céu de cores quentes.

No rescaldo de um anoitecer, sentem-se borboletas levantar voo. De asas agitadas, marcam uma presença colorida, mas fugaz. Há desejos de um bom dia, de um regresso, de um amanhecer. Mas, no rescaldo de algumas manhãs, sente-se que não há volta a dar, que não há regressos, que não se pode voltar, não há amanhã - não tão bom como hoje.

O dia depois de amanhã.

Eles acham que sabem. Eles devem pensar que basta olhar para saber. Mas eles não sabem: não sabem nada! Eles nem se quer imaginam.

Se eles soubessem, talvez fosse diferente, talvez agissem diferente, talvez as coisas fossem de outra forma, talvez vissem as coisas com outros olhos, e talvez o mundo conspirasse com outros ventos.

Eles acham que sabem, que basta olhar para saber, mas ele não sabem nada. Eles nem se quer imaginam!

 

Se soubessem, talvez pusessem o mundo a nosso favor, talvez unissem esforços por nós, talvez conspirassem a nossa aproximação definitiva, talvez nos empurrassem para a nossa épica reconciliação. Se eles soubessem, se calhar havia uma biografia escrita por alguém desconhecido, que ganharia fama assim. Talvez servisse de história de encantar. Uns anos mais tarde, se eles soubessem, talvez estreasse um filme, cheio de pompa e circunstância, cheio de vontade de ser. Talvez se tornasse num clássico de cinema. E depois toda a gente saberia ... ou pelo menos, achariam que sabiam. Como se bastasse ouvir para saber. Mas eles não saberiam: nunca saberiam!  Nem se quer lhes passaria pela imaginação! 

Eles nunca saberiam o que aconteceu: tudo o que vivemos antes de nos vermos a primeira vez, nem de como lá chegámos, àquele ponto de encontro, àquele ponto da história.

Eles nunca teriam a mais ínfima ideia do que os nossos corações se controlaram quando nos pusemos os olhos em cima, do que os nossos corações adivinharam da primeira vez que chegámos perto um do outro, do que os nossos corações partilhavam no silêncio dos nossos sorrisos, do que os nossos corações sabiam um sobre o outro. Acho que nem nós tivemos um pouco da noção do que se passava entre os dois: da sintonia do batimento cardíaco, como se cantassem afinados a mais sentida das baladas; do conhecimento sobre cada curva, cada veia, cada tom, como se se fossem perder um no outro e quisessem dispensar o mapa. Acho que só eles sabem o que realmente aconteceu connosco.

 

Se os nossos corações falassem, acho que apenas deles sairia a derradeira verdade: só eles saberiam descrever com exatidão cada sensação liberta, cada arrepio sentido, cada sorriso partilhado, cada olhar trocado, cada abraço apertado, cada palavra proferida, cada impulso contido, cada desejo cedido. Se os nossos corações falassem, seria a única forma de o mundo ter uma muito ligeira ideia do que ficou por dizer e por sentir, do que foi repetido vezes sem conta sem nunca parecer suficiente.

E o que foi repetido foi tanto, e mesmo assim não parece ter sido repetido vezes suficientes: as palavras, os gestos, os olhares, as palavras, os toques, os arrepios, as palavras, os desejos, as palavras, os sonhos... E tudo seria mais fácil se continuassem a ser repetidos. E o mundo não sabe: o mundo não faz ideia do que foi (e do que é) . Não faz ideia do que fomos (do que somos, do que queremos ser).

 

E eles acham que sabem. Eles acham mesmo que sabem. Mundo ridículo, que pensa que alguma vez vai perceber. Mundo estúpido este, que pensa que alguma vez vai saber. Eles não sabem: não sabem nada! Eles nem se quer imaginam! 

Acho que nem nós sabemos. Acho que nem nós soubemos, se quer. Acho que nunca soubemos, apesar de tudo. Nem poderíamos, porque o resto lá fora passou tão rápido -  a vida correu tanto, foi tão díspare. Acho que só os nossos corações souberam.

Eles souberam e estão a ser teimosos, a castigar-nos. A castigar-nos por os termos deixado desamparados.

 

Acho que se os nossos corações falassem, apenas deles sairia a derradeira verdade: só eles saberiam confessar sem nenhuma confusão o que fomos, o que somos e o que podíamos ser, se o mundo soubesse de um pouco, se o mundo ajudasse nem que fosse um pouco, se a vida fosse nossa cúmplice. 

 

Porque o mundo não sabe, só finge que sabe - e finge mal. E já lá vai algum tempo, e nunca ninguém vai saber de nada... E nós nunca vamos saber de nada, só vamos esperar por eles: vamos esperar que eles falem, que se vejam, que se toquem, que se cruzem, que eles se juntem, de novo, na vida. Vamos esperar que se sonhem. Tomara que ainda queiram!

E o mundo nunca vai saber... mas talvez nós saibamos... talvez um dia por aí... talvez hoje ainda, talvez amanhã. Talvez eles ainda se sintonizem no dia depois de amanhã.

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