Dia de chuva.
Hoje está a chover. Parece que o dia adivinhou a tua ausência, e eu fui acordada pelo toque do despertador que, sem dó nem piedade, me fez aperceber que era mais um dia sem o despertar suave dos teus lábios e do quente do teu abraço.
O meu corpo também se ressentiu: acordou mole e mal disposto. Foi impossível acordar com um sorriso nos lábios ou um olhar desperto. Acordei pesada, obrigada, embriagada de sono, com o barulho insuportável do novo dia rotineiro e com o peso das cobertas solitárias e solidárias que tentam, com tanta força e fracasso, substituir-te. Coitadas... se elas soubessem o que eu dava para te ter a ti em vez delas!
Nos dias em que estás é diferente. O dia lá fora desperta-nos delicada e deliciosamente com um beijo de luz, e tu acordas-me com um toque quente, um toque quente e tão delicioso como a sensação de dar o primeiro golo na cerveja gelada de fim de tarde escaldante de verão, que mesmo quem não gosta, imagina como saberá tão bem. O teu abraço dá-me umas boas vindas a um novo dia. Umas boas vindas tão reconfortantes como a sensação de vestir o pijama ao chegar casa depois de um longo e stressante dia de inverno e ir para frente da lareira com uma manta.
Fecho os olhos inconscientemente e, como uma criança a olhar para uma estrela cadente, faço um desejo secreto de que estejas cá amanhã, e depois, e depois, e a seguir. Ou... ou depois, ou no dia seguinte, ou no a seguir. Porque a tua companhia faz-me bem! Faz-me tão bem como as mesinhas caseiras que as avós tanto querem impingir quando nos queixamos de algo - e que, efetivamente, nos fazem melhorar tão rapidamente.
Percebo a dificuldade que a vida nos trás, para que tudo isso possa acontecer. Percebo a indiferença da rotina quanto a esse assunto. Percebo a relutância que o mundo terá em nos dar mais tempo. Percebo a hesitação dos nossos corações, num assunto que ambos sabemos como começou, como acontece, onde pode chegar e como pode terminar, dado a um histórico tão presente, que tentamos ignorar.
Tudo isso é compreensível. É complicado conciliar tanta coisa... ainda por cima quando a única coisa que está em causa é o meu bom acordar, o meu bom humor e a minha pujança corporal. Eu encolho os ombros cansados, suspiro profundamente, faço um sorriso meio amarelo e mostro a minha condescendência: com a vida, com a rotina, com o mundo, contigo e com o teu coração. Acalmo o meu que só se lembra da primeira e única coisa que os meus olhos entreabertos e embargados conseguem ver, depois de despertar de uma noite contigo ali, do meu ladinho, como devias estar sempre: o sorriso que me lanças. Esse sorriso que faz o meu dia brilhar, por mais chuva que esteja (e me faz sorrir tanto, também... e que me aquece tanto.
Tudo isso é compreensível. Mas, como se o dia tivesse adivinhado a tua ausência, acordou cinzento e com chuva. Com muita chuva! E o meu corpo ressente-se porque não compreende a chuva - ou a tua ausência. Encolhe-se, retrai-se, amolece, cansa-se: quer-te por perto.