Esquece isso dos amores calorosos de verão. Esquece esses amores passageiros que vêm e vão e te encharcam de emoções fortes e sentimentos desmedidos, como qualquer onda do mar que testemunhou essa história. Esquece isso das pessoas que se vão com o calor e que têm medo de ficar quando o sol não é tão quente . Esquece esses amores - e nomes - que te dão sede, de tão salgados que são.
Já viveste um amor de inverno?
Um amor que não se assume, nem derrete. Um amor que se mantém frio e calculista durante toda a história dos vossos corações. Um amor que vem devagar e sem se anunciar.
Vem sem aviso, sem premeditação. Pé ante pé. Doce. Ele vem silencioso quando tu pensas que não vai acontecer nada...
É um amor que te chega inesperadamente, e talvez nem o reconheças, assim, tão disfarçado, quieto, e repentino, intenso demais sem nunca o ser em demasia. Na medida certa, na intensidade ideal, vem discreto, quase em segredo até para vocês os dois, que se derretem sem se aperceberem. E os dias que supostamente ficariam mais frios, curtos e, frequentemente, cinzentos, vão aquecendo, vão ficando cheios e imensos, de uma intensidade e vida que só visto (ou vivido, mesmo), vão ganhando uma panóplia de cores que nem sabias que existam. E vocês vivem-nos, sem perceberem, porque, afinal de contas, as folhas continuam a cair e a natureza perde o brilho na mesma, apesar de, na vossa bolha, haver calor, sol e luz no outono... ser pleno verão num absoluto inverno!
Os pores do sol ficam incríveis, ficam mágicos onde quer que os vejas - e parecem tão melhores que os de verão! Embebedas-te de emoção. Absorves energia. Passas a absorver tudo - mesmo sem saber. Porque, a verdade é que, e se os amores de inverno forem tão efémeros quanto os de verão? Apesar de, sem saberes, desejares que aquele momento (tudo aquilo) não acabe, vives tudo intensamente como sendo a última vez. Aliás, respiras e mergulhas em todo este enredo como se fosse a primeira e a última vez em simultâneo, como se tudo aquilo fosse novidade, algo único que pode acabar antes de começar. E tu não queres que acabe... Mas nem sabes disso. Ninguém sabe, ninguém percebe, ninguém vê nada ... nem mesmo vocês que só vão inteirar-se de tudo quando, efetivamente, for o fim. Ou o princípio do fim.
Ou, talvez descubram, com sorte, mais tarde - mas nunca demasiado tarde - que esse que soube a último era apenas o primeiro de muitos - vossos.
Ou, se calhar, toda a gente sabe, toda a gente vê e percebe, menos vocês - porque preferem admitir efemeridade. Preferem os amores de verão que toda a gente conhece, e querem viver um amor de verão ainda que fora de época. Quando, na verdade, têm tudo para viver um amor de Inverno - um amor de ano inteiro... e, talvez sem querer exagerar, um amor de vida inteira.
Crias verão em ti. Criam verão em vós. Criam um verão d'Inverno - dentro e fora de ti, dentro e fora de vós - com palavras que aquecem, com momentos de conforto, com detalhes improvisados que, provavelmente, não vais deixar ir tão facilmente. São coisas que se impregnam em nós, mesmo quando nos recusamos e, normalmente, nem percebemos. São sensações que nem sabias que existiam. São os abraços mais apertados sem que ninguém se toque. Afinal de contas, são estes os Verões que ninguém quer que acabem (e que tantos deixam ir)! São estes os Verões que todos querem e ninguém assume... Nem mesmo tu, que o vives tão imersamente como se estivesses a sobreviver, até então, para um inverno assim.
A verdade, é que cada pedaço de vocês se torna num ponto alto, numa forma intangível, numa descarga de endorfina. Boa disposição, humor - porque, afinal de contas, o verão é uma extravagância de energia positiva e boas sensações. E vocês são verão, juntos - são o arquetipo do Verão na sua plenitude, na sua imensidão.
E vocês estão nesse verão vosso, não é verdade? Nesse verão que começou, quando todos os outros apontavam o fim dessa estação. Nesse verão que durou todas as outras estações. Nesse verão que ninguém queria que acabasse além de vocês, que não sabem o que fazem.
Já viveste um amor de inverno?
Um amor que não se assume, nem derrete. Intenso, impremeditado, silencioso, improvisado, frio e calculista, que vem devagar e sem se anunciar. Doce. Espalha-se na tua vida, ainda que não percebas. E depois, despede-se do nada, acaba sem acabar, vai sem ninguém querer que vá.
A luz começou a entrar aos poucos por entre as frestas de uma persiana mal fechada como se o dia quisesse acordar aquelas paredes, mas as acordasse calma e serenamente da mesma forma que o mar beija a areia da praia em dias de maré vaza sem corrente. À medida que o quarto amanheceu, também eu fui despertando. O meu corpo continuava mole do dia anterior, sem se querer convencer de que a noite tinha efetivamente terminado.
Tentei forçar o meu cérebro a compactuar com as pálpebras cerradas: "só mais um pouco, só mais uns minutinhos, por favor". O meu inconsciente queria acordar e o meu consciente estava a perder aquela batalha. O corpo foi despertando também, apesar dos olhos fechados. O cérebro não conseguia ficar quieto muito mais tempo... só o corpo fazia força para se manter adormecido. Estremeci.
Estremeci quando o meu cérebro me lembrou de algo mais. Estremeci quando o meu corpo se apercebeu do sítio exato onde se encontrava.
Estremeci com a sensação de calma que me envolveu. Estremeci e dei meia volta, ficando de frente a frente para aquele vulto. Aquele corpo ainda preso no sono desenhava-se à minha frente como um escudo protetor. Por segundos, inconscientemente, pensei ainda estar a dormir e pisquei os olhos numa tentativa de acordar de um possível sono (e sonho). Mais acordada era impossível.
Estremeci por ser real. Estremeci por estar ali. Estremeci pela certeza tão absoluta de não haver lugar mais certo onde eu pudesse estar. Estremeci pela felicidade de ser um sonho da vida real. Estava feliz naquele local (o local que não era o quarto).
Incrível como um espaço tão apertado pode fazer alguém sentir-se tão livre, tão solta. É incrível como aquele local me fazia sentir tão inocente, tão pequenina, tão frágil... e tão forte, tão segura, tão feliz.
Não quis mais dormir ou ter sono. Quis estar desperta para sempre, para não desperdiçar nem mais um momento naquele sítio tão ideal, tão acordada que sentisse aquele estremecer para sempre, de sensação tão boa que era. Não quis mais sair dali: se eu decidisse o tempo pararia naquele exato momento, sem quês ou porquês e eu vivia ali, naquele abraço, naquele regaço, junto àquele peito protetor, como se ele fosse um portal para aquele corpo (e, para mim, de certa forma, até era ).
Se eu decidisse o tempo pararia naquele exato momento, sem absolutamente mais nenhum quê ou porquê. E eu viveria ali para sempre, no teu abraço, no teu regaço, colada ao teu peito, como se fosse um portal até ao teu corpo. E para mim, de certa forma, era: a minha alma levitava com o teu bater de coração
Sentir ali, pele com pele, com a tua respiração serena na minha nuca, a sentir cada batimento cardíaco, cada toque e cada movimento. Ajeitei-me em ti, como se ainda não estivesse perto o suficiente. E depois, quando me apercebi que era ali que ia estar para sempre e que naquele lugar nada de mal podia chegar, senti aquele friozinho de sempre, que todas as manhãs me deixava feliz: a pontinha do teu nariz frio de quem acabou de acordar num quarto rodeado de inverno tocou, finalmente, a minha testa e os teus lábios húmidos encostaram no meu nariz. "Bom dia".
Sim, agora ia ser, definitivamente, um bom dia. E eu suspirei de alívio: o dia tinha-me acordado para ti.
De repente, o inverno aqueceu. Os dias passam a correr, o céu está azul e a paisagem brilhante. Parece que existe música de fundo em cada passada, parece que só se ouve rir e até as luzes de Natal parecem refletir com um brilho diferente, nos olhos de quem as observa. De repente, o peito enche-se de ar, mas parece mais leve, o coração acelera, o estômago agita-se, os joelhos tremem e as bochechas arrosam-se.
Um sorriso rasga-se timidamente, mas sem vontade de se fechar. Os olhos arregalam com cada som que soa dos lábios que olham, as mãos suadas tentam tocar tudo, como se fossem uma espécie de miragem. Não é. E o corpo fica a trabalhar num ritmo completamente diferente. Vive a alma por ele. Aliás, dança a alma por ele. Dança com uma alegria mágica, dança como se o mundo fosse acabar.
E se calhar acabou. Se calhar, de algum mundo acabou quando ela sentiu que tudo aquilo era, efetivamente, real. Se calhar, o mundo dela acabou ou, pelo menos, o mundo tal como ela o conhecia. Ou todo um mundo que ela sempre dispensou conhecer. Mas, de certeza, um novo universo foi criado, para além do universo que surgiu dentro dela. Um universo dela. Um universo dela... e dele. Um universo com tudo de novo para conhecer e descobrir. Todo um universo que nenhum dos dois, alguma vez, pensou conhecer ou, se quer, imaginar.
Tudo era real, e ela agora sabia-o. E agora que tinha entrado neste universo, de mãos dadas com tanta coisa nova e com tantas novas borboletas, não havia certezas de que sairia dali. Não havia certezas, se quer, se quereria sair. Algo dentro dela sabia que, mesmo se saísse, era neste momento, impossível sair igual ou mesmo voltar ao mundinho dela tal como o conhecera. Mas ela, definitivamente, não queria pensar em sair.
Não agora. Não agora que tudo fazia sentido, que nada nunca batera tão certo como até então. Não agora com tanto para ver, para cheirar, para tocar e abraçar, com tanto para sonhar e descobrir.
Normalmente, quando as coisas não estão bem, o nosso corpo amolece, não temos vontade de sair da cama. Enfrentar o dia lá fora é algo que queremos, com todas as coisas, evitar. Deprimimos, custa a respirar... custa saber que temos dúvidas se realmente queremos voltar a respirar. Não adianta: as memórias boas, os momentos incríveis... parece que ainda nos derrotam mais.
Estamos cansados. Estamos moles. Estamos em baixo (sentimo-nos no fundo). Estamos partidos. Estamos com todo o peso do mundo em cima. Sentimo-nos impotentes, nervosos, incapazes de fazer o que quer que seja. E a vida parece que nunca mais vai acenar uma bandeirinha branca.
Normalmente, não queremos ver o tempo passar. Queremos que o mundo fique exatamente onde estava quando esta sensação de vazio começou. Queremos refazer tudo, como se mudasse efetivamente alguma coisa. Mudaria?
Às vezes, esperamos tanto tempo por uma réstia de momento com felicidade extrema que, de repente, quando eventualmente, por qualquer momento, esse momento desvanece, parece que nunca mais vai regressar. Entristecemos ainda mais. Voltará?
Voltaremos a sentir toda aquela explosão? Voltaremo-nos a sentir em êxtase com a vida? Sorriremos? Teremos novamente felicidade para abraçar de vez?
Normalmente é assim que acontece, e parece que nunca somos suficientes. Seremos? Serei?
Normalmente é assim que acontece... Mas desta vez as memórias têm efeito calmante. Desta vez, os bons momentos fazem-me sorrir, apesar de todo o resto à volta estar enevoado longe - e parece tão, tão longe! - de se ver qualquer traço de céu azul! Desta vez, apesar de tudo estar tão errado, consigo sentir algo a continuar a vibrar cá dentro. Desta vez, mais que mágoa, sinto gratidão e tudo o que foi dito dá esperança, tudo o que foi pensado dá friozinho na barriga, todas as respirações junto a mim continuam a arrepiar como se fossem, ainda, reais.
Todos os olhares continuam presentes como se de um bom presságio se tratasse. Será um bom presságio ou uma despedida, porque não voltarão?
Normalmente, a vida acontece e nada acontece "porque sim". Mas queremos que os "porque sim" se encaixem dentro da vida. Eles são tentados a entrar dentro da vida... e dos sonhos.
Normalmente, quando o corpo amolece, perdemos a paz, perdemos a esperança e tudo o que foi bom magoa. Desta vez, perdi a paz, mas mantive as borboletas agitadas na barriga, e tudo o que foi bom aquece e aconchega (e os dias estão tão frios e cinzentos neste quase-inverno que parecia impossível aquecer a alma!). A esperança está um pouco baralhada, mas ao menos, o que foi bom, faz continuar a sorrir timidamente (mesmo que apenas por segundos, até a realidade voltar). Mas ao menos, o que foi bom, faz ter sonhos que aquecem a vida e o coração neste quase-inverno gelado.
Mas, ao menos, mesmo sem tudo correr bem, tudo gira à tua volta, tudo cheira a ti, tudo me leva a ti e, quando sinto a tua presença neste quase-inverno, eu posso estar a sentir todo o resto, mas sei que não vou sentir frio.