Atlântida.
Fui passando de pés descalços, por entre ramagens primaveris, com a palma da mão a acarinhar as flores campestres naquele descampado que não sabia onde ia dar. Aliás, ultimamente parecia que não sabia onde nada ia dar: por muito bonita que fosse a paisagem, por mais brilhante que fosse o horizonte, por mais incríveis que fossem as margens que delineavam o caminho por onde seguisse, parecia que o destino final não ia, se quer, sendo desenhado.
E a minha vida andava sem cheiro, andava vazia e sem cor, mesmo com todas essas flores a perfumar o ar e a dar cor ao mundo. E o coração sem direção, sem rumo, sem qualquer ponto de partida e de chegada, sem qualquer sentido de orientação, com incerteza e a insegurança de saber que um dia iria deixar de estar assim. E o que o deixava inseguro era saber o que vem depois de ter certezas, depois de ter tudo assegurado, tudo o que desejou... andava discreto, quase parado, com medo de voltar a acelerar e bater de novo, com medo de chamar a atenção, porque mais vale manter-se à margem de todo um mundo de sensações, do que reviver toda a desaceleração de novo, do que arriscar perder-se de novo, do que arriscar sentir-se mais perdido do que naquele momento. E o corpo andava mole, quase deambulando por entre a vida e o "sobreviva" e assustado com o que poderia chegar em contra-mão, com o que poderia vir contra ele e ser tão favorável quanto efémero, como sempre fora, trazendo das mais saborosas sensações que tão ou mais facilmente se tornariam dissabores que, com toda a certeza do mundo, ele não queria sentir nem mais uma única vez.
E o mundo tornou-se um lugar de co-habitação, um lugar imóvel, sem jeito, sem qualquer tipo de emoção: sem cheiro, sem cor, sem som. Um lugar inútil onde ouvia apenas o som dos pés descalços a estalarem o mato seco e morto, a caminho do desconhecido, naquele trilho perdido.
O mundo tornou-se o lugar mais solitário do universo. O mundo tornou-se num pequeno T0, sem espaço: sem espaço para respirar, sem espaço para me libertar, sem espaço para correr, sem espaço para esperar, sem espaço para viver. O mundo tornou-se num espaço oco, sem sentido, sem cor, sem movimento.
Então tudo se perdia: perdia-se no mundo, perdiam-se umas coisas das outras. E perdia-me eu do mundo, do resto e de mim.
E perdi-me tanto que me encontrei. E descobri que mesmo não sabendo onde iria ter, teria de aproveitar a viagem: a paisagem bonita, o horizonte brilhante, as margens incríveis que delineavam o caminho por onde seguia... E a rota eu própria teria de desenhar.
E, discretamente, a viagem foi-me levando a bom porto... E atracou-me a ti. Sem fazeres a mínima ideia do que fui sem ti que logo da primeira vez me fizeste esquecer de perguntar o que faria ali.
E no teu sorriso encontrei a minha vista favorita, o meu ponto de paz. Mostraste-me um lugar só meu, nesse mundo teu e eu encontrei um espaço do tamanho do mundo que eu tinha perdido. Encontrei um mundo tão familiar, que saberia ir de um lado ao outro sem me perder. Queria percorrer-lo (e a ti) em contra-mão. E descobri também que era com o teu cheiro que queria perfumar o ar: com a essência da tua presença. E descobri a cor com que iria pintar a paisagem: a tua cor, os tons da tua presença. E mesmo com a incerteza do que poderia emergir a partir daqui, eu queria deixar-me ir.
E tal Atlântida perdida, encontrei o melhor de mim ao mergulhar em ti.