Bom dia.
A luz começou a entrar aos poucos por entre as frestas de uma persiana mal fechada como se o dia quisesse acordar aquelas paredes, mas as acordasse calma e serenamente da mesma forma que o mar beija a areia da praia em dias de maré vaza sem corrente. À medida que o quarto amanheceu, também eu fui despertando. O meu corpo continuava mole do dia anterior, sem se querer convencer de que a noite tinha efetivamente terminado.
Tentei forçar o meu cérebro a compactuar com as pálpebras cerradas: "só mais um pouco, só mais uns minutinhos, por favor". O meu inconsciente queria acordar e o meu consciente estava a perder aquela batalha. O corpo foi despertando também, apesar dos olhos fechados. O cérebro não conseguia ficar quieto muito mais tempo... só o corpo fazia força para se manter adormecido. Estremeci.
Estremeci quando o meu cérebro me lembrou de algo mais. Estremeci quando o meu corpo se apercebeu do sítio exato onde se encontrava.
Estremeci com a sensação de calma que me envolveu. Estremeci e dei meia volta, ficando de frente a frente para aquele vulto. Aquele corpo ainda preso no sono desenhava-se à minha frente como um escudo protetor. Por segundos, inconscientemente, pensei ainda estar a dormir e pisquei os olhos numa tentativa de acordar de um possível sono (e sonho). Mais acordada era impossível.
Estremeci por ser real. Estremeci por estar ali. Estremeci pela certeza tão absoluta de não haver lugar mais certo onde eu pudesse estar. Estremeci pela felicidade de ser um sonho da vida real. Estava feliz naquele local (o local que não era o quarto).
Incrível como um espaço tão apertado pode fazer alguém sentir-se tão livre, tão solta. É incrível como aquele local me fazia sentir tão inocente, tão pequenina, tão frágil... e tão forte, tão segura, tão feliz.
Não quis mais dormir ou ter sono. Quis estar desperta para sempre, para não desperdiçar nem mais um momento naquele sítio tão ideal, tão acordada que sentisse aquele estremecer para sempre, de sensação tão boa que era. Não quis mais sair dali: se eu decidisse o tempo pararia naquele exato momento, sem quês ou porquês e eu vivia ali, naquele abraço, naquele regaço, junto àquele peito protetor, como se ele fosse um portal para aquele corpo (e, para mim, de certa forma, até era ).
Se eu decidisse o tempo pararia naquele exato momento, sem absolutamente mais nenhum quê ou porquê. E eu viveria ali para sempre, no teu abraço, no teu regaço, colada ao teu peito, como se fosse um portal até ao teu corpo. E para mim, de certa forma, era: a minha alma levitava com o teu bater de coração
Sentir ali, pele com pele, com a tua respiração serena na minha nuca, a sentir cada batimento cardíaco, cada toque e cada movimento. Ajeitei-me em ti, como se ainda não estivesse perto o suficiente. E depois, quando me apercebi que era ali que ia estar para sempre e que naquele lugar nada de mal podia chegar, senti aquele friozinho de sempre, que todas as manhãs me deixava feliz: a pontinha do teu nariz frio de quem acabou de acordar num quarto rodeado de inverno tocou, finalmente, a minha testa e os teus lábios húmidos encostaram no meu nariz. "Bom dia".
Sim, agora ia ser, definitivamente, um bom dia. E eu suspirei de alívio: o dia tinha-me acordado para ti.