De repente ganho um sexto sentido e fico quieta, estática, imóvel, vejo-te aportar.
Manifesto-o em arrepios, manifesto toda a beleza do que construímos, manifesto cada palavra, cada ruga de expressão, cada canto do teu abraço, cada bater do coração.
Descubro no teu corpo, um mapa. rota de navegação, carta náutica, que me deixa embarcar, e me guia à confiança, e garanto-te como rumo certo, mantendo-te por perto.
Tal estrela do norte, que não me deixa perder. Bússula, Golpe de sorte.
Sorte grande. Tesouro.
E é indiscritível cada vez que chegas, e te aproximas, e me olhas, me beijas, me agarras, me dás a mão.
Guiamo-nos, um ao outro, corredor dentro, escadas acima, de rua em rua, de vida em vida, onda adentro, mar fora, e vamos, de mar em mar, em mar,
amar.
E sinto-te presente, sinto-te em mim. sinto-te meu, fico à deriva em ti, flutuando no que dizes e fazes, mergulhando no teu abraço, navegando pelo teu corpo, nessa tua praia paradisíaca, terra à vista, ilha de luz.
Cheiras a maresia.
Fico à deriva no teu alto mar, flutuo nas tuas águas fundas, corro e mergulho em ti... Descubro o caminho marítimo para fora das tormentas, sem receios e tempestades, e num só beijo, a esperança que trazes, esse Atlântico de emoções.
E resgatas-me de um naufrágio, como se Neptuno fosses. Fazes-me voltar à superfície, Salvas-me de um mar que não é teu, Fazes-me voltar a respirar,
E manténs-me acordada, manténs-me desperta, segura mesmo sem pé, seja em manhãs de calmaria, seja em altas marés.
Percorremo-nos de lés a lés.
E se éramos duas almas afogadas, virámos marinheiros um do outro, um no outro.
Sendo ela o teu horizonte e a primeira coisa que a tua vista alcança quando olhas da tua janela. É nela que os teus olhos pousam quando te distrais (ou será ela que te distrai quando os teus olhos se cruzam com ela?), deixaste-te enterrar nela, deixa-la envolver-se em ti. Deixa-la cruzar no teu caminho, acompanhar-te numa caminhada tantas mais vezes que eu!
E as vezes que deitas a tua cabeça nela em vez de a deitares em mim?
Quantas vezes a areia dessa praia já te abraçou e colou a ti... quantas vezes já sentiu o calor do teu corpo? Quantas vezes essas ondas já encontraram o teu peito... já se encontraram no teu abraço? Quantas vezes essa espuma beijou a tua pele?
E logo eu que gosto tanto de praia, fui assolada por este ciúme da tua praia. Só imagino as vezes que já te perdeste por aí, as vezes que já te despiste para ela... Torna-se difícil não invejar a sorte dessa paisagem, que já te teve como parte integrante e eu nem hipótese de admirar esse momento tive. Torna-se difícil resistir a um ciúme louco de imaginar que te toca mais vezes que eu. Torna-se impossível não desejar loucamente ser essa praia, ou ter, pelo menos, um pouco da sua sorte.
A sorte de ver esse teu sorriso, de se poder perder nos teus olhos e de os fazer brilhar. Lotaria de milhões, o poder ter-te a deitares-te sobre ela.
É... definitavamente, invejo a tua praia. As visitas que lhe fazes, a sensação que te faz sentir, a vontade que tens de a ver, e o poder tocar-te tanto mais que eu. Definitivamente, emulo-a . No entanto, como posso criticar se faria o mesmo à mesma oportunidade? Se te deixaria perderes-te em mim ao primeiro resquício da tua vontade de o fazeres?
Tenho a certeza que esta inveja me faria ladra: roubaria a sorte dessa tua praia sem pestanejar. Não tenho dúvidas de que esta inveja me transformaria em bruxa: aprenderia todos os truques necessários para quebrar essa maldição que ela te lançou - ou todos os feitiços para que essa sorte fosse minha. Não hesitaria, convictamente, em trocar de lugar com ela e te beijar de cima abaixo, abraçar-te e enroscar-me em ti - seria , prontamente, um desses grãos de areia que levas para casa.
No entanto, trocaria a sorte desse sítio, por ser eu a tua sorte. Ser a tua sorte para nos perdermos juntos nesse por de mar, nessas nuvens de espuma, nessas ondas de sol... nessa tua praia invejável.
Um dia desapareceste entre espuma branca e ondas altas, em direção a Sabe-se-lá-onde. Nesse momento, pensei-te navegante de outros mares para sempre, pensei-te explorador de outras costas, entusiasta de outras encostas, longe de qualquer vista mar.
Mas depois tu decidiste um regresso e aportaste no meu cais, de novo, quando te pensava entre ondas e marés. Aportaste no meu cais, talvez perdido de tormentosas tempestades, talvez oriundo de terras distantes, talvez, quem sabe, das profundezas do oceano, talvez indisposto da viagem, talvez sem saber onde o destino te traria.
Horas, dias, meses: o tempo que passara era-te desconhecido (na verdade, até para mim) e eu olhava para ti como se olhasse para o meu horizonte, sem saber como te acalmar deste teu fado impetuoso (se saber como me acalmar desta incerteza imprevisível), sem saber como esclarecer as dúvidas que terias, sem saber como te ler esse olhar impenetrável que diz o contrário do que os teus lábios pronunciam. A verdade é que, quando partiste, julguei-te perdido para sempre, julguei-me desprendida de ti, julguei solução as ruas mais distantes do porto de onde saíste e, agora, aqui estava eu: percorrendo todo o caminho de volta até à nossa margem, onde pensei nunca mais voltar e onde a altura da água é a mesma depois das lágrimas que lá deixei cair ao ver-te ir, passando pelas marcas da minha determinação deixadas na direção contrária nas pedras de calçada. A paisagem parece um pouco diferente agora que o teu barco está no cais: o sol parece mais brilhante, as ruas mais cheias de cor, as margens mais translúcidas.
E eu aqui, a esperar por te receber de novo neste teu regresso, rezando para que acredites que teremos a melhor vista mar do mundo inteiro.