Fomos um momento apenas: um apontamento no calendário, um meio sorriso, um movimento arriscado, um canto perdido num mundo imaginado, um caminho escondido a corta-mato, um gesto mal-amanhado, uma meia palavra, meia lua, céu nublado com abertas, uma gota perdida numa rua.
Fomos um livro gigante em miniatura, mas apenas uma linha fina numa folha A4, um soluço do tempo, um boato com cinco minutos de fama, um dicionário sem definições, perguntas sem resposta, um pretexto sem contexto, sem paratexto. sem momento, sem encaixe, sem nexo.
Fomos uma tontice de uma cabeça com asas que toda a gente dispensa, um achaque de um peito inquieto, um impulso de um coração intenso.
Fomos uma boca prestes a falar, um abraço longe de apertar um olhar que nunca se trocou, um beijo que ficou por dar, um segredo por guardar.
Fomos um presente envenenado, uma vida não vivida, o rescaldo de uma epifania, uma fofoquice de uma epopeia, o prólogo de uma letra capital, uma antestreia sem estreia principal, uma antevisão de um jogo sem apito inicial, empatado por falta de comparência de ambas as partes.
Fomos nem duas palavras, um segundo de história, um poema de um verso, que não rima, não termina, e é impossível de declamar.
Fomos um ponto final, uma música que nunca se fez, uma ideia que se desfez, uma lenda pouco encantada, um conto sem final feliz, fomos um sopro, um ápice, fomos pouco mais de uma vez, fomos um momento apenas, um momento de pouca lucidez e éramos para ser tudo de uma vez.
No rescaldo de algumas histórias, os pés enterram -se em areias brancas. Os olhos, que refletem um azul-mar, brilham perante a imensidão de um céu cor de rosa e sobre a ideia do desconhecido que estará para além do que a vista alcança. Sentem-se abraços apertados, corações acelerados, cabelos enrolados pelo vento, e arrepios causados por um toque em tal contexto.
No rescaldo de alguns momentos, partilham-se segredos e entrelaçam-se dedos. Dividem-se memórias. Sorriem-se bocas, que se descolam de vez em quando, entreolham-se almas que nunca chegarão a conhecer-se verdadeiramente. Sentem-se braços que apertam, mãos que seguram e deixam ir ,sentem-se risos que se perdem até às nuvens que vestem o céu.
No rescaldo de alguns contos, conhece-se o fim e saboreia-se o início, como se algo de imprevisível fosse prometido, sem o ser. Dizem-se cantigas e lemas, dizem-se gargalhadas e dizem-se olhares. Há um diz-que-disse, um conto com um ponto acrescentado, um beijo inesperado e um virar de página. Há um sorriso tímido perdido algures entre gargalhadas fartas, e gargalhadas guardadas para recordar a sorrir, um vislumbre de glória que se vive em areia branca, fundo de mar e na luz maravilhosa de um por do sol. Há um vislumbre idílico de uma utopia que, à partida (e ao fim ao cabo), nunca existiu. Há uma epopeia de meio verso que não rima.
No rescaldo de alguns beijos, há o fim já previsível que se precipita, que se faz mostrar, que se apresenta a gritar. Há um parar de soar de trompetes, uma travagem brusca, um impulso...
E a calma volta a pairar em areias brancas que enlaçam no mar paradisíaco pintado num céu de cores quentes.
No rescaldo de um anoitecer, sentem-se borboletas levantar voo. De asas agitadas, marcam uma presença colorida, mas fugaz. Há desejos de um bom dia, de um regresso, de um amanhecer. Mas, no rescaldo de algumas manhãs, sente-se que não há volta a dar, que não há regressos, que não se pode voltar, não há amanhã - não tão bom como hoje.
Sim, contigo: vejo-te nas nuvens, vejo-te nos vidros das casas , vejo-te entre folhas de árvores , em grafittis e desenhos . Vejo-te em reflexos , em sombras, em becos, até dentro de carros .
Sinto o teu cheiro a cada instante, ouço-te com o vento e entre notas musicais. Às vezes os teus braços estão à minha volta , às vezes a tua respiração está no meu pescoço , às vezes o teu dedo passa pelo meu braço , às vezes fecho os olhos e tu estás aqui, bem perto de mim. E estarias, se o mundo fosse perfeito , ou se o mundo fosse do meu jeito , pudesse eu ter-te presente como te tenho no meu peito.