Em tempo de pressa.
Levaste-me pela mão e eu fui.
Fui com a mesma energia com que tinha feito todo o percurso até ali: curiosidade e liberdade; sem espaço para surpresas, mas cheia de vontade de ser surpreendida. E, de repente, ficou um escuro diferente e ficámos em silêncio.
Um silêncio entre nós, mas não entre as nossas mãos. Um silêncio diferente e um frente a frente. Um silêncio de quem sabe o que vai acontecer, e quer fazer acontecer. Um silêncio de quem sabe que é tarde de mais para que não aconteça, mas que não vai haver tempo para o viver devidamente. Um silêncio de quem sabe que o que quer que aconteça, irá, provavelmente, morrer ali.
Eram muitas cores em nós… muitas cores em mim a olhar para ti, e a música tocava mas mais parecia um eco longínquo. Estava apenas a luz suficiente para ver os teus contornos e perceber que me observavas e eu? Eu não sabia mais para onde desviar o olhar. Eu queria ver-te, mas não queria olhar-te.
Aliás, eu até queria… queria muito conseguir olhar-te, mas sabia onde é que isso nos levaria e era mais fácil deixar as coisas correrem sem a pressa que tínhamos de ter, mas que eu tanto gosto de evitar. E, de facto, precisávamos de nos apressar. E, para dizer a verdade, desta vez, eu até queria essa pressa.
“Apressa-te!”, pedi-te sem saberes. Ainda hoje não sabes o quanto supliquei que te despachasses. E tu sabias tanto quanto eu, que tal e qual um certo famoso conto de fadas, abandonaria todo o teu espaço em pouco tempo. Tu sabias, tanto quanto eu, o quanto nos precisávamos de despachar.
Era uma questão de horas, o deixar de te olhar.
E, de repente, apercebi-me para onde olhava. Apercebi-me que, se calhar, não teria sido pior ter conseguido concentrar o meu olhar nos olhos, em vez de me focar no teu sorriso… Porque o teu sorriso tem um poder que não deves conhecer. Ou então, se calhar, até conheces e por isso é que usaste essa arma ali, em tempo de guerra… em tempo de contra-relógio, em tempo de pressa. Por outro lado, obrigada por me sorrires.
Pairava urgência no ar. Havia um tic-tac mental demasiado rápido, uma sensação acelerada, uma separação inevitável, uma batida apressada. Não sei se a batida era da música, do coração, da ansiedade de nos precipitarmos - e de tanto nos querermos precipitar, sem tempo para o fazer.
Confesso que sei muito pouco sobre este momento. Lembro-o como um sonho rápido que pouco decorei ou um filme que não tive tempo de pôr a gravar. Confesso que tenho as minhas dúvidas se aconteceu, de tão volátil que foi, de tão pouco que o guardei - mas, definitivamente, é quase como se não tivesse acontecido.
Senti um olhar cruzado demasiado imprevisivelmente.
Senti uma música silenciada pela força do momento.
Sinto fechar o sorriso num beijo.
Sinto fechar as mãos no teu corpo.
Sinto o momento a correr, sem ter tempo de o pausar, sem ter tempo de apreciar o que quer fosse dos teus lábios, sem ter tempo de perceber o teu toque nas minhas costas. Sinto o mundo andar à roda tão depressa quanto um cronómetro.
A pressa é, realmente, inimiga da perfeição. Onde já se viu, estragar um momento com todas as condições para ser perfeito, com a sua inconveniência e precipitação!
E eu sinto o tempo a fugir, sem energia para correr atrás dele. Sinto-me perder-te para uma agenda, para toda uma vida que não se cansa de chamar… Sinto que por muito que te agarrasse com força, para nos podermos saborear, o momento correria ainda com mais força. Sinto que por muito que te pedisse para esperar, o relógio avançaria sem demoras. Sinto que por muito que o nosso beijo se fosse tentando estender, o tempo não teria qualquer piedade… o fim chegaria sempre, sem qualquer remorso, sem delongas, como um jantar que fica pelas entradas, uma viagem que acaba ao chegar ao destino, um sonho que acaba quando o vives… como um doce que desaparece numa só dentada. Estávamos diante um prazo inflexível, uma data de validade irrevogável.
E desapareceste. De certa forma, ficaste para trás. E o momento foi tão volátil que nem o som dos teus lábios, o toque do teu olhar ou o brilho do teu beijo, eu pude trazer comigo.
Nem a sensação de aperto das tuas mãos na minha cintura eu conservei. Nem o chamar da tua voz eu me recordo. Emersei desse momento tão depressa quanto mergulhei nele, ou ainda mais rapidamente. Foi um suspiro fugaz e, logo agora que não sei de ti, o tempo já acalmou, o relógio já me respeita, a vida decorre sem grande pressa … e sinto os meus beijos com vontade de te encontrar.