Um dia desapareceste entre espuma branca e ondas altas, em direção a Sabe-se-lá-onde. Nesse momento, pensei-te navegante de outros mares para sempre, pensei-te explorador de outras costas, entusiasta de outras encostas, longe de qualquer vista mar.
Mas depois tu decidiste um regresso e aportaste no meu cais, de novo, quando te pensava entre ondas e marés. Aportaste no meu cais, talvez perdido de tormentosas tempestades, talvez oriundo de terras distantes, talvez, quem sabe, das profundezas do oceano, talvez indisposto da viagem, talvez sem saber onde o destino te traria.
Horas, dias, meses: o tempo que passara era-te desconhecido (na verdade, até para mim) e eu olhava para ti como se olhasse para o meu horizonte, sem saber como te acalmar deste teu fado impetuoso (se saber como me acalmar desta incerteza imprevisível), sem saber como esclarecer as dúvidas que terias, sem saber como te ler esse olhar impenetrável que diz o contrário do que os teus lábios pronunciam. A verdade é que, quando partiste, julguei-te perdido para sempre, julguei-me desprendida de ti, julguei solução as ruas mais distantes do porto de onde saíste e, agora, aqui estava eu: percorrendo todo o caminho de volta até à nossa margem, onde pensei nunca mais voltar e onde a altura da água é a mesma depois das lágrimas que lá deixei cair ao ver-te ir, passando pelas marcas da minha determinação deixadas na direção contrária nas pedras de calçada. A paisagem parece um pouco diferente agora que o teu barco está no cais: o sol parece mais brilhante, as ruas mais cheias de cor, as margens mais translúcidas.
E eu aqui, a esperar por te receber de novo neste teu regresso, rezando para que acredites que teremos a melhor vista mar do mundo inteiro.
É estranho como o mundo gira e me leva de volta até ti, como se quisesse que comparasse o que fomos ao agora e me quisesse a querer-te comigo aqui , como antes, como outrora.
Decididamente, acredito hoje, mais que nunca, que as coisas acontecem por uma razão e, aqui estou eu, pronta para o que vier daí, preparada para todas as coisas estranhas e vislumbres. Porque já vi que (pelo menos) o (meu) mundo é assim.
E tu vens, de rompante, e vais de repente, e voltas de fininho, e desapareces mansinho e perdes-me no meio de sonhos e sentidos, memórias e vontades, medos e verdades.
E eu vou ceder. Se vieres, eu sei que não resisto. E se fores, eu sei que eventualmente, de uma forma ou de outra, voltarás. E se não voltares, saberei antes de tomares essa decisão.
Porque eu já decidi algumas vezes por um ponto final que, no final, virou uma vírgula baça, quase transparente e agora tenho sérias dúvidas se estas reticências serão o encerramento da tua frase.
Se forem, eu sei que um novo parágrafo vai surgir e, sinceramente, estou mais despreocupada que nunca.
Se não forem, por favor, volta com tudo. Volta com todas as palavras que sempre usei para te descrever, com toda a carga que te envolve desde que sou pequena, volta com os meus sonhos no colo e com o meu coração nas tuas mãos.
Ou então, deixa-me ir, deixa-me perder-me noutro alguém, deixa-me criar outros sonhos, deixa-me escrever uma nova história. Deixa-me escorregar para o futuro, como se nunca tivesses considerado um comigo. Deixa-me abraçar um novo mundo, como se nunca tivesse partilhado o meu contigo.
Ou então vem, vem decidido vem de vez, vem agora fica eterna e discretamente, fica como antes, como outrora. Toca-me, prende-me, ama-me. Faz-me sorrir e ficar. Faz-me poder ver-te, Faz-me poder ter-te, Faz-me sonhar, Como sempre.
Aprendi com o tempo a deixar o mundo girar consoante a sua vontade: sem pressas, sem grandes medos, sem grandes expectativas.
Sempre disseram que a pressa é inimiga da perfeição e eu comecei a acreditar que se deixarmos a vida fluir, a perfeição pode chegar. Comecei, então, a ter medo de estar demasiado apressada e não reparar nessa perfeição, comecei a ter receio de que estivesse demasiado embrenhada em planos, ia estar distraída quando no seu fluxo ela me trouxesse algo tão maravilhoso que não haveria segunda chance.
Nem sempre é fácil deixar-nos ir: as coisas aparecem de repente, mudam a velocidades estonteantes, descontrolam-se com facilidade. Deixamo-nos ir, mas as coisas novas não vêm - nem de perto, nem de longe - com um livro de instruções ou GPS e eu fico sem saber o que fazer, caio no dilema do coração e da cabeça, no dilema do deixar ir ou tentar acertar. E a cena repete-se: sigo os meus impulsos, guio-me pelos desejos, cedo às minhas vontades voláteis e aos sonhos de menina que já devia saber o quão pouco encantado é o mundo onde vive e o quão mal pode acabar esse capítulo.
E a cena repete-se : se cair, levanto-me. Para todos os efeitos é só mais uma nódoa negra... ou no máximo uma nova cicatriz que vai caindo em esquecimento, para que da próxima vez eu me esquecer que ela lá está e, provavelmente, voltar a, pelo menos tropeçar na mesma asneira. Porque é tão difícil resistir a um coraçãozinho acelerado e um mundo encantados que, eventualmente, me volta a visitar...
E a vida corre, parece que cada vez mais acelerada, como aqueles jogos em que se errarmos, não só perdemos pontos, como o cronómetro anda mais rápido.
E eu acho que acabo por ter pressa de chegar, de saber, de conhecer. Aliás, eu sou assim no dia - a - dia: se a paisagem final é tão melhor, porquê perder tempo num caminho que já conheço? "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo"*, dizem eles. E, pelo menos, é assim que interpreto a frase.
Mas, às vezes, quando sinto o mundo mais acelerado que eu, abrando. Do que vale a pressa de chagar a uma paisagem bonita se podemos perder todas as vistas do caminho, às vezes tão ou mais incrível que a do nosso destino?
Acho que este equilíbrio é necessário. É necessário saber acelerar, mas é necessário abrandar e olhar à nossa volta, porque muitas (ou quase todas as) vezes, quando paramos e olhamos em volta, a vida é realmente fantástica.
E acho que foi por isso que fui perdendo a celeridade, que perdi a inconsolável vontade de descobrir a razão das coisas. Descobri que mesmo se deixarmos de nos mexer por completo, o mundo continua a girar e, (nem sempre, mas) por vezes, é bom aproveitarmos o que ele nos traz da sua mais recente viagem.
"Então até amanhã, no sítio do costume" - disse eu para dentro, depois de o meu coração entrar em choque ao aperceber-se de mais uma chance perdida de te pertencer, ao aperceber-se que desperdicei mais um dia da minha vida contigo...
"O sítio do costume"! O frio dos amanheceres e anoiteceres de inverno, as voltas e passeatas rotineiras, as paredes despidas, a calçada portuguesa, a nossa rua, tu, eu. A nossa falta de sentido de oportunidade (ou falta de agarrar as oportunidades que temos). E eu começo a achar que temos a mesma medida de vontade que temos de falta de coragem.
Sim, porque eu dou voltas para me cruzar contigo, e tu dás voltas para me ver. E depois vemo-nos, efetivamente. Vemo-nos, cruzamo-nos, olhamo-nos, sorrimo-nos e continuamos a nossa vida, como se não déssemos um ao outro a importância que efetivamente damos. E eu fico com um sorriso tonto quando finalmente te (re)encontro e penso no que as pedras da calçada diriam se falassem.
Começámos esta troca de olhares envergonhada, começámos os sorrisos mútuos, começámos os cruzamentos inúteis. E as vezes que já esperei por ti, sem te esperar! É ridículo, não é? Querer falar-te e não conseguir? Tentar adivinhar por onde andas quando te podia, simplesmente, acompanhar? É rídiculo, não é? Não te esperar? Esperar-te depois de me afastar uma distância considerável de ti? Esperar-te só porque é mais fácil ver-te a aproximar que me aproximar? Esperar-te depois de ter ignorado totalmente essa chance cada vez que o meu corpo passa a poucos milímetros do teu, quando por uma questão de poucos átomos não nos tocámos... E o coração acelera: é um misto de adrenalina, vontade e desilusão por me querer mexer consciente e saber que o meu inconsciente não vai querer dar o passo em frente. E se aquelas paredes dissessem o que vêem...
"MERDA para os mecanismos involuntários do nosso cérebro!", digo eu que tanto queria contorná-los. E se calhar isto é inútil mesmo, e somos apenas duas pessoas por aí. Se calhar és apenas um sinal de que a vida corre e a rotina está dentro dos conformes e eu dentro dos horários. Se calhar tudo não passa de uma rasteira do destino. Se calhar tu és só tu e eu sou só eu, e cada um de nós só foi feito para andar na mesma rua... E um "bom dia" era tão fácil de dizer.
Gostava de poder adivinhar-te. Gostava de poder encontrar-te, sem receio de ficar sem ti. Gostava de perceber os nossos encontros e desencontros. Gostava que a nossa rua falasse.
Querem-me proibir de falar de amor: dizem que não sei o suficiente ou que sei de mais, dizem que sonho alto, dizem que a vida não é uma estória de encantar, dizem que não é um mundo cor de rosa.
E então, como se os sentimentos tivessem idade ou uma data de validade, dizem que não posso falar de amor. Como se não se pudesse sonhar só porque nem sempre as coisas correm como queremos. Como se o amor fosse uma coisa linear, uma coisa específica, querem fazer-me acreditar que não existe.
Estes descrentes, ateus de romance e qualquer outra coisa que faça lembrar o amor. E depois dizem que não sei falar de amor. Dizem que não se fala do que não se sabe, e como consideram demasiado a sério a hipótese de eu não saber o que é amor, dizem que não posso falar dele.
Mas eu não os ouço. Não os ouço e falo de amor. Porque gosto falar de amor e é a única coisa que acredito sem sombra de dúvida.
Sonho alto e falo de amor, e de todos os sonhos que tenho com ele. E dos castelos no ar que me faz criar, das estórias encantadas que imagino e me encantam. Falo de como muda o meu mundo, de como cria a minha bolha e um filtro especial.
Vivo num mundo cor de rosa, com uma pitada de realidade. Porque o mundo real é tão hipócrita, que o maior disparate do mundo, seria viver no mundo real com uma pitada de cor de rosa. Não preciso de me alienar ao que vem do mundo real, mas posso por um filtro cor de rosa, e tentar ignorar o máximo possível o que quer escurecer esse mundo. De qualquer maneira, poucos devem ser os que acham um rosa-escurecido bonito.
Não sei se vou estar sempre assim ... e até talvez, lá no fundo, examine a minha existência e saiba que tenho vários motivos que me pudessem fazer duvidar dele. Talvez às vezes, por pensar mais com a cabeça e por o coração de lado, tente desconfiar do amor, tente não acreditar na sua existência. Mas depois vêm os sonhos. Vêm as vontade e desejos, vêm os olhares apaixonados, os sorrisos perdidos de amor, os nervosos miudinhos. Vêm os dias que correm mal, quando se está mal de amores ... Ou mal com quem amamos. E vêm os dias de sol, os dias de magia, os dias de quase-explosão e de espalha-felicidade quando tudo se resolve.
Porque o amor é mais que paixão. O amor existe de todas as formas na nossa vida. E depois sabemos que ele existe, se abrirmos os olhos a isso: ao apaixonar, ao acreditar e desconfiar, ao abraçar e sorrir, ao discutir, ao proteger e querer saber. Porque o amor é o pior sentimento do mundo, tal é a intensidade que dói e nos faz sentir impotentes.
É por isso que acredito tanto: porque sentimos tudo. Sentimos as idas e as vindas, a felicidade e a mágoa, a energia e a derrota.
O amor não é hipócrita e mostra o lado mau do mundo (do coração, da cabeça, do corpo e da alma). E nós podemos fechar-nos ao amor, mas o amor continua lá, a existir, nós é que fechamos a porta (e esquecemo-nos de abrir a janela): é a velha história de "se partes do pressuposto que não acreditas em algo, já estás automaticamente a por a hipótese de que exista".
Mas vou falar de amor.
Vou falar de amor sempre que me apetecer. Do meu e dos outros. Do amor próprio e do amor por quem me rodeia. Da paixão e não só.
Vou sempre falar de amor e ser apaixonada pelo amor. E viver no meu mundo cor de rosa, sonhar com tudo o que tenho direito e com tudo o que as estórias de encantar me deixaram a acreditar.
E vou viver o amor em modo repeat, como se fosse a primeira vez. E talvez alguma vez, seja efetivamente a primeira. E talvez eu nem perceba... E talvez eu até já saiba qual é.
Dizem que todos temos um propósito. E eu não sabia qual era o meu, até começar a fazer aquele percurso diariamente. Todos os dias pisava o mesmo chão. Havia pessoas que via todos os dias, algumas pessoas repetiam o mesmo percurso que eu dia após dias, após dia. E depois havias tu. Era frequente ver-te. Passar por ti, tu passares por mim, passarmos um pelo o outro.
Não sabias quem eu era. Cruzavamo-nos como milhões de pessoas em modo robô se cruzam todas as manhãs, em todo o mundo.
E eu também não tinha ideia de quem eras, mas acho que, com o tempo, acabei por saber mais de ti do que tu de mim.
Olhavamo-nos em silêncio todos os dias. Não sei se me vias, não sei se me observavas como eu a ti, não sei se ficavas a olhar quando passava por ti. Não sei se pensavas em mim, se falavas sobre esta miúda que vias menos de um minuto por dia. Nem se quer sei se pensavas nesse cruzamento, como eu. Nunca falavamos. Nunca falámos.
Aquele cruzamento tornou-se rotineiro. Aquele cruzamento de corpos tornou-se frequente. Aquele cruzamento de olhares tornou-se quase um desejo matinal. Aquele cruzamento de sorrisos tornou-se no auge do dia dela. Aquele vulto começou a ganhar forma, a ganhar cor. Até que as mãos se cruzaram também. Depois ganhou cheiro, ganhou som, ganhou textura, ganhou sabor.
Havia fogo naqueles olhos.
Ela estava completamente apaixonada, ela acreditava em tudo. Ela olhava o mundo com um olhar cheio de esperança, cheio de cor. Ela abraçava os sonhos como se fossem sempre uma possibilidade: se viver um sentimento daqueles era possível, qualquer coisa seria possível dali para a frente.
Ele era todo o romance que ela alguma vez tinha pedido, toda a história de encantar.
Aliás, sonho todas as noites. Umas vezes sonho a dormir, outra vezes sonho acordada e outras vezes vivo o sonho: o sonho de te ter, o sonho de me encaixar tão perfeitamente nos teus braços e em ti, o sonho de acordar o teu sorriso e de despertar o meu. Mas hoje sonhei contigo.
Estavamos numa sala a meia luz. Nenhum de nós se via completamente lá, apenas vultos por de trás das cortinas de tule em tons pastel... acho que estávamos em lados opostos. De repente, começa a tocar aquele clássico que eu adoro do Dirty Dancing , como se fosse preciso uma música para me dizer que os meus melhores momentos da vida são nos teus braços.
Engraçado. Acho que depois de tanto tempo, nunca te tinha visto, se quer, gingar o passo e ali estavas tu, tal Patrick Swayne, de cabelo desgrenhado, mas no sítio certo e camisa branca desapertada no decote e a abanares-te ao som de Time of my Life. Ao menos, ali, tive a certeza que também tu sentias aquilo que era dito na música. Acho que acertámos os passos... Não tenho a certeza porque o meu eu no sonho estava concentrado no teu rosto: no sorrito maroto e sincero, nos lábios que o soltavam tão deliciosamente e no olhar atrevido mas apaixonado. Não sei se não pareceríamos dois bobos a dançar por ninguém, numa sala de tule pastel a meia luz. Não sei se não pareceríamos espelho um do outro, de tão embrenhada que estava no teu rosto: aposto que a minha expressão seria a mesma.
Lembro-me que dançámos. Dançámos muito como se sempre tivéssemos feito aquilo. Dançámos tão intensamente que acho que teríamos envergonhado qualquer par de bailarinos campeões. Dançámos como se a nossa vida dependesse disso. E como eu gostei de dançar contigo!
Não sei porquê... Não me perguntes porque sonhei com tal cena épica, de um catálogo de romantismo. Não me perguntes porque dançámos. Não me perguntes porquê aquele enredo todo... Toda aquela perfeição.
Dançámos. Rodopiámos. Chegou a parte da música em que a Baby é pegada ao colo. E tu, tal Johnny Castle, pegaste em mim, como se tivéssemos ensaiado aquela cena um milhão de vezes! Não houve falha de um passo, de um tempo, de um gesto... E beijaste-me, comigo lá no ar.
Não sei se no mundo dos sonhos já alguma vez me terias beijado, porque senti todo o tipo de arrepios de quando há um primeiro beijo. Mas ali ficámos, depois do beijo, depois de me baixares, depois de a música terminar. Perdemo-nos nos olhos um do outro. Perdemo-nos nos lábios um do outro. Perdemo-nos um no outro e encontrámo-nos um para o outro.
Roubaste-me um segundo beijo. Eu percebi que não adiantaria o número de vezes que me beijarias dali para frente e que provavelmente, mesmo em sonhos, não fazia diferença se aquele seria o primeiro, o décimo ou o milésimo beijo: a sensação de pertencer ali, de pertencer a ti e todos aqueles arrepios ia acontecer sempre.
E depois percebi: talvez o sonho tenha sido a melhor analogia perfeita para nós... Que outra forma demonstrar toda a nossa sintonia e musicalidade se não dançando de forma tão perfeita, ao som de um dos mais românticos clássicos do cinema? Talvez fossemos mesmo o espelho um do outro.
E agora, acordei. E enquanto esfrego os olhos e me apercebo daquele sonho tão incrivelmente natural, olho para ti aqui adormecido, com o mesmo sorriso bobo. Aposto que se tivesses os olhos abertos, seriamos um inevitável espelho um do outro.
Ignoro o sol a espreitar lá fora, depois de uma semana enevoada e enrolo-me em ti. Mais uma vez, solto um suspiro profundo, confirmando o quanto pertenço a este lugar. E dançamos de novo, de olhos fechados e com os teus braços à minha volta. E eu que acordei de um sonho contigo, volto a sonhar, conscientemente e de peito a saltar.